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Políticas Conclusões
1. Referentes aos resultados da pesquisa: aspectos relacionados às quatro áreas de intervenção
Uma
primeira conclusão de caráter teórico-metodológico que orienta o
tratamento e enfoque dos estudos sobre a problemática urbano-habitacional na
região e no país é de que uma política habitacional deve estar
inserida em uma política mais ampla de desenvolvimento econômico, social,
cultural, urbano, em que as funções sociais da cidade e o convívio social
sejam efetivamente considerados. É fundamental a criação de políticas públicas de âmbito
municipal, que estejam mais próximas ao problema e coerentes com sua
realidade sócio-econômico-cultural. Para que isso se suceda, é necessário a integração entre a questão habitacional e outras problemáticas como, por exemplo, o papel da economia e a função estrutural e conjuntural do desemprego agrícola e urbano-industrial na conformação territorial do trabalho e nos processos migratórios, as políticas territoriais do modelo de desenvolvimento econômico ou de acumulação e seus impactos na política de financiamento urbano e habitacional, etc. O “mosaico” de configurações urbano-habitacionais estudado e que conforma o conjunto habitacional Panorama e os assentamentos no Pasto do Gado, localizados no município de Florianópolis, assim como os conjuntos habitacionais Bela Vista IV (São José) e Abraão (Florianópolis), estudados na pesquisa, expressa a presença ou não de diferentes ações de políticas públicas no âmbito da habitação de interesse social na região, as quais sintetizamos em duas: 1a) A estratégia erradicatória, mais antiga e que se reporta ao início do século, extensamente reproduzida pelo regime militar - particularmente o período do último general de plantão - e que na região de Florianópolis, é uma manifestação tardia com o conjunto Panorama e posteriormente do Bela Vista IV e, mais recentemente, com o c. h. Abraão, onde a COHAB reedita um modelo de promoção habitacional bastante criticável e que nega os avanços sociais dos últimos quinze anos; 2a) A estratégia reurbanizadora, que tem se generalizado a partir de finais dos anos 80, passando a ser incorporada como uma política oficial urbana e habitacional da maioria das prefeituras do país. O projeto “Bom Abrigo” implementado pela atual administração de Florianópolis, busca, para angariar recursos internacionais do BID, o reassentamento das famílias das áreas de Chico Mendes e Novo Horizonte, no Pasto do Gado no município de Florianópolis. Conforme definimos ao longo da pesquisa, as naturezas social, ambiental, econômica, urbana e habitacional destas políticas são diferentes e antitéticas [1] ; isto é, uma exclui a outra, o que é diferente de combinar-se uma política de relocalização de populações, onde se respeite os seus anseios, história e parta da sua participação efetiva no processo de planejamento de seu território [2] . No entanto, o que constatamos é que estas estratégias foram e estão sendo implementadas simultaneamente pela atual Prefeitura de Florianópolis. E mais, verificamos que, mesmo dentro do processo de implantação do programa de reurbanização “Bom Abrigo” nos assentamentos Chico Mendes e Novo Horizonte, pela avaliação pós-ocupação que realizamos, há ações e processos erradicatórios na forma de transferência das famílias para as novas unidades habitacionais. Das famílias entrevistadas, percebe-se claramente que foram erradicadas de seu próprio terreno, ao trocar sua antiga habitação, que era precária e exigia um programa emergencial de transferência, por uma “nova” no mesmo terreno, onde ocupará metade do seu lote, com dimensões reduzidas, impedidas de poder ter modificações futuras e progressivas e com diminutas áreas livres internas. Por um lado, a Prefeitura implementa um programa de reassentamento das famílias na mesma localidade (Chico Mendes e Novo Horizonte), por outro, implementa e auxilia a COHAB-SC no processo de transferência, sem consulta e participação das famílias atingidas, localizadas nas margens da Via Expressa BR 282, para os barracos ao lado do Bigshop. Três anos depois, são transferidas para o c. h. Abraão, cuja implantação reproduz velhos vícios projetuais e de construção (sistema precário de acabamento, p. ex.) [3] . Concluímos a pesquisa nos assentamentos referidos com uma hipótese que cada vez se afirma mais como tese: o Projeto Singapura, que inicialmente foi rejeitado pelos técnicos do DDS/Prefeitura para a região, sugerido pela Prefeita, aos poucos vai se implantando na área, cujas caraterísticas são: fachadismo na sua parte externa em contato com as marginais da Via Expressa de alta visibilidade [4] ; processos erradicatórios internos na forma de concepção das unidades e rigidez programática e dimensional; tendência ao encarecimento das mensalidades [5] . Os estudos realizados dos conjuntos Panorama, Bela Vista IV e mais recentemente do Abraão constatataram que estes são conjuntos rígidos à progressividade programática das unidades, com espaços aquém das necessidades principalmente dimensionais dos residentes, além de estarem desarticulados da malha urbana, e reproduzirem espaços residuais internos sem destinação específica desde a concepção e projeto de implantação. Este trabalho investigativo acabou aplicando-se às novas unidades habitacionais de Chico Mendes e Novo Horizonte. A preocupação de evitar a rotatividade das famílias, segundo depoimento do arquiteto do DDS [6] , que é verdadeira em termos históricos e comprovada nos inúmeros exemplos de valorização imobiliária de antigos assentamentos irregulares que foram incorporados ao circuito formal e mercantil urbano, acabou, pela forma de projeto restritivo em termos programáticos e dimensionais, gerando o seu contrário: a alienação das famílias relocadas ao seu antigo terreno que estão impedidas de crescer na área de acordo com suas necessidades internas. [7] Para os conjuntos Panorama, Bela Vista IV e Abraão, está claro que a política é de erradicação e os conjuntos foram concebidos e construídos a partir de um usuário padrão - sem se conhecer quem são seus usuários - , medido com base no nível de ingresso familiar (salários mínimos) e com referência no padrão dimensional dos imóveis de mercado de 2 (na maioria dos edifícios) ou 3 dormitórios. Conforme examinamos nas pesquisas destes conjuntos [8] , não há nenhuma política social de participação dos usuários no processo de concepção e construção das unidades, como ocorreu e está ocorrendo em Chico Mendes. Particularmente na pesquisa desenvolvida no período entre 1996 e 1998, pelo bolsista Alexandre Matiello, onde enfatizamos os aspectos gerais de conjuntura econômica e política, constatamos que existem as seguintes interfaces com os diversos e diferentes elementos e fatores constituintes da problemática estudada [9] :
1a) Interface do processo de crescimento econômico e do modelo de desenvolvimento territorial-urbano: a pesquisa revelou que por trás de uma “política pública no âmbito da habitação de interesse social” (título da pesquisa) há um modelo(s) de crescimento(s) econômico(s) e um modelo(s) de desenvolvimento(s) territorial(s), os quais no Brasil tem se caracterizado como altamente concentrador, segregador social e territorial, principalmente na região de estudo. O “mosaico” de configurações habitacionais é resultado daqueles modelos, que, ao longo do tempo, até se contradizem, mas que fundamentalmente, reproduzem uma forma centralizada e tecnocrática de conceber e construir habitação na região e no país.
2a) Interface do processo de crescimento econômico e o fenômeno da migração: como vimos já em Peres (1994), as comunidades pesquisadas, tanto nos conjuntos habitacionais como nos assentamentos referidos, são migrantes, conforme Cadastro Sócio-Econômico da Prefeitura (DDS, 1997) e que confirma o perfil levantado na pesquisa domiciliar realizada entre 1990 e 1992 nos cinco assentamentos do Pasto do Gado. A maior parte migrou por problemas econômicos (desemprego agrícola e/ou urbano, desestruturação da economia agrícola) ou por problemas sociais. Esta última causa deve-se à falta de serviços adequados nos locais de origem, deslocamentos dentro da própria região de Florianópolis, como tem sido a migração da parte insular para o continente do município devido à elevação dos aluguéis, desapropriações públicas para obras em áres habitacionais, promoção de projetos imobiliários que compram terras das populações nativas, etc. O que a pesquisa constatou é que o processo migratório (extra-urbano e intra-urbano) tem sido a causa principal da conformação principalmente dos assentamentos estudados. 3a) Interface do processo de crescimento econômico e das práticas privadas e estatais dentro do campo habitacional: verificou-se que no caso dos conjuntos habitacionais, a interferência de empreiteiras ou construtoras no processo produtivo, sem um controle e acompanhamento por parte do estado, acabam por “desenhar” a forma de produção dos conjuntos, levando à sua simplificação construtiva, espacial e estética. 4a)
Interface do processo de crescimento econômico e da segregação urbana,
caracterizado por um modelo desregulador de gestão da cidade. O modelo de
crescimento que se tem desenvolvido na região está submetido a uma política
econômica centrada no turismo seletivo como única fonte de renda, e que
privilegia populações de alta renda, cuja forma de ocupação territorial é
depredadora, concentrada na orla e nas melhores áreas de balneabilidade. Este
processo tem gerado processos migratórios para a parte continental, onde o
Pasto do Gado e a área de Bela Vista IV são em grande parte resultado
social, populacional e urbano. Isto é, em nível dos investimentos e gastos
públicos, as populações carentes não são prioritárias.
Isto fica muito claro no abandono social e urbano que temos verificado
ao longo dos anos no c. h.
Panorama e nos outros analisados. Neste sentido, o processo de planejamento tem
sido centralizador e incentivador das formas segregativas do espaço urbano.
Para agravar mais este quadro, os órgãos de planejamento como o Departamento
de Desenvolvimento Social (DDS), encarregado pelo projeto "Bom Abrigo"
da Prefeitura de Florianópolis, a Superintendência Urbana de Serviços
Públicos (SUSP), o Instituto de Planejamento Urbano (IPUF), Companhia de
Saneamento de SC (CASAN), TELESC, não operam conjuntamente, ocorrendo uma
desarticulação e disfunção na implementação dos programas. Na área do
Pasto do Gado, este fenômeno ficou muito evidente quando a COHAB impetrava
junto ao juiz, que mandava ordens de despejo das famílias sem-teto do Pasto do Gado.
Já a CELESC,
estendia rede de luz na região. Outro
aspecto que chamou a atenção neste tópico foi a desarticulação entre uma
concepção rodoviarista do Plano Diretor e o assentamentos das comunidades
sem-teto e outras que crescem em uma escala alheia à escala motorizada da
cidade. Não houve e continua a não haver uma integração entre as chamadas
APO (áreas destinadas no PD às populações carentes) e a malha urbana de
serviços e infra-estrutura. A localização do Bela Vista IV junto à BR 101
é totalmente inapropriada, de acordo com o que se examinou na pesquisa
respectiva. No caso do Panorama, a Via Expressa BR 282, surgiu depois de sua
implantação. No entanto, até a construção do empreendimento Bigshop, não
havia acessibilidade adequada a este conjunto. A via corta e desintegra a
relação deste conjunto e área de entorno (Pasto do Gado e Monte Cristo) do
bairro Kobrassol no lado sul. A malha viária é centrada no veículo
particular e transporte pesado (por se tratarem de BRs), não levando em conta
a necessidade de micro (locais) articulações intra-bairros (longitudinais e
transversais), através do transporte coletivo, ciclovias e vias seguras e
adequadas para o pedestre, consonantes com suas diversas escalas por faixa
etária, porte de deficiências, etc. O resultado destas desintegrações é o
aumento do deslocamento das vias de circulação e a do grau de dificuldade de
acesso do bairro ao centro da cidade (Florianópolis, São José, Biguacu ou
Palhoça) ou vice-versa
[10]
. Inexiste, portanto,
uma política viária que privilegie o transporte público articulado com
modalidades alternativas indo até o transporte marítimo, já que as regiões
estudadas distam a poucos quilômetros das baías sul e norte. Há pouca
relação lateral e transversal das duas BR (282 e 101), o que agrava ainda
mais o problema da segregação social e urbana interbairro. A ocorrência de
acidentes tinha aumentado nas duas BR, pela falta de ligações por passarelas
e/ou túneis, até a construção de túneis na BR 101. No entanto, na BR 282,
apesar da construção de duas passarelas (uma na área das Vila Aparecida I e
II e outra na área do Pasto do Gado), ainda persistem problemas segurança.
Como agravantes destes processos, o comércio e serviços estão mal
distribuídos nos dois lados das BRs. Crescem de acordo com as demandas do
mercado de consumo e não de um política de planejamento. Na época da
construção do Panorama, não se previam comércios e
serviços, e no Bela Vista IV, cresceram a posteriori, pelo crescimento
espontâneo dos Bela Vista I, II e III, e pela expansão urbana do outro lado
da BR, cuja direção vinha da área chama Estreito do município de
Florianópolis. O crescimento em
direção ao Bela Vista IV chegou “de costas”. Já o Abraão foi
construído sem serem previstos serviços mínimos na região, os quais a população
residente reclama. Por
último, a aridez ambiental causada pela ausência de
vegetação no Pasto do Gado, Bela Vista IV e Abraão, e os ruídos
intermitentes ocasionados pela vizinhança com a BR 101, são alguns dos problemas ambientais que as
populações sofrem diariamente.
Mais relevantes que a unidade
habitacional em si, os estudos sobre o Panorama, Bela Vista IV e Abraão
comprovam que a localização e o acesso à cidade, são imprescindíveis para
a boa habitabilidade destas populações residentes. A contigüidade de um conjunto habitacional a uma rodovia
federal é uma das provas cabais da lógica perversa de expulsar o pobre para
a periferia, comprometendo a qualidade não só de vidas mas de espaço urbano
gerado, isolado e incapaz de estabelecer relações necessárias do habitar.
5a)
Interfaces relacionais em termos sociais e urbanos entre os conjuntos
habitacionais e os assentamentos. Este estudo foi feito a partir da pesquisa
no c. h. Panorama (1996-1998), mas foi mesmo trabalhado nas pesquisas dos
assentamentos (1998-2000). Do que se examinou, concluiu-se que:
a)
São
formas de construção da habitação muito diferentes no que se refere à relação
concepção-construção, origem institucional e social, inserção no espaço
urbano e forma tipológico-urbana. Enquanto que os conjuntos foram
construídos a um só tempo (entendendo-se em tempo de um a três anos) e de
acordo com um processo construtivo, um ou mais empreendedores ou construtores,
com um projeto e uma forma de financiamento e regulação, pertencentes ao circuito formal da produção habitacional, os
assentamentos são irregulares, resultados de contingentes
populacionais que não tinham e não tem acesso ao circuito formal e mercantil
da habitação; são produtos de vários “projetos”
(por família) de vida e
habitação, caracterizando-se por sua provisoriedade, e por outras
características, já descritas nas pesquisa que ora conclui e examinados
também por Peres (1994).
b)
O que
lhes é comum é a situação social de precariedade urbana, inserção
periférica na cidade e não malha urbana de serviços e infra-estrutura, aspecto
inacabado (mesmo os conjuntos que tem uma forma produtiva acabada), espaços
residuais. Os conjuntos também caracterizam-se por uma inadequada concepção e
os
assentamentos pela espontaneidade de sua ocupação, ainda que, em
alguns casos, são espaços mais vivenciados, pois foram “concebidos” de
forma auto-construtiva. Geralmente, não fazem parte das prioridades do poder público em termos de
investimentos urbanos com relação a outras obras públicas de mesma natureza na cidade.
c)
Mantêm
uma relação de segregação e auto-segregação, principalmente por parte do
Panorama em sua relação com os assentamentos do seu entorno. A construção
de muros em volta deste conjunto foi uma auto-segregação dos residentes com
relação às comunidades contíguas, ainda que suas lideranças mantenham
relações de vizinhança
[11]
.
d)
Tem-se
constatado o problema de tráfico de drogas no Panorama (depoimentos dos
líderes, ibid) e nos assentamentos (verificação em campo e depoimentos dos
líderes), o que revela uma das faces sociais de carência e precariedade que
vivenciam estas áreas, apesar da conformação mais acabada e “civilizada”
do Panorama.
e)
Há
diferenciações sociais entre os conjuntos como ficam evidenciadas nos
conjuntos Panorama e Bela Vista IV
com relação ao Abraão, onde vivem os residentes transferidos da Via
Expressa. Aqui a precariedade é muito mais grave. No Bela Vista IV há uma
diferenciação clara com as comunidades do Bela Vista I, II e III
[12]
, havendo naquele um maior cuidado com os espaços e a
administração, vivendo ali segmentos de poder aquisitivo um pouco mais
elevado, ainda que seja de seus residentes, a maioria assalariados, como o é
no Bela Vista e Panorama. f) Ao
invés de haver uma inserção das comunidades carentes à cidade, o que
ocorre é a segregação da mesma dentro da cidade. As favelas acabam sendo
também os
próprios conjuntos, com os quais e através dos quais o Estado
supostamente tentava resolver a problemática habitacional. .
6a)
Interface da administração do município com
a de outros municípios em termos de descentralização e autonomia de
processos gestionários com participação não-governamental. Constatou-se a
necessidade de um planejamento de nível metropolitano que articule as ações
e políticas inter-municipais, como, por exemplo, e o que ficou na pesquisa
evidente, com a política de transporte e sistema viário. Já não é mais
possível tratar a problemática urbana que é interrelacionada entre os
municípios por órgãos separados por município, como tem sido o IPUF em
Florianópolis, a Secretaria de Obras (não há de planejamento urbano) em
São José, Biguaçu e Palhoça. A expansão urbana ignora a divisão
político-administrativa municipal . Deve-se acompanhar a lógica de
funcionamento da dinâmica urbana, onde pessoas e veículos circulam e se
locomovem, sem aquelas fronteiras. A aprovação da
região metropolitana pela Assembléia Legislativa Estadual já é um
reconhecimento desta questão; no entanto, ainda vícios corporativos dos
prefeitos e corpo técnico impedem a integração do processo de planejamento.
Deve-se acrescentar a esta problemática a falta de integração com os
órgãos encarregados das infra-estruturas (CASAN, TELESC, CELESC) como
assinalamos anteriormente. 7a)
Interface do processo de gestão urbana e participação democrática das
populações. Condição básica também para um desenvolvimento sustentável,
é o planejamento com participação democrática das populações, que é um
dos requisitos exigidos hoje pelo próprio BID para a liberação de recursos
[13]
. Inexistiam mecanismos de participação das populações do
processo de concepção, implantação e construção dos conjuntos
habitacionais, e, no caso, dos assentamentos, inclusive o Estado forçou sua
expulsão. Graças às lutas de resistência, estas comunidades foram
garantindo sua fixação na área e, hoje, estão conseguindo não só a
reurbanização de toda a região, como a regularização do registro de
posse. A experiência de
reurbanização implementada pelo DDS/Prefeitura é, em parte, uma solução
à problemática assinalada. Existem
ainda mecanismos clientelistas na região, tanto na relação da comunidade
com os representantes políticos como com os órgãos públicos
[14]
. No entanto, desde finais dos anos 80, os moradores têm acumulado
experiência de organização e luta para fazer valer suas demandas. O
processo de participação que temos assistido na área não foi uma
concessão da Prefeitura, mas produto também de históricas lutas da
comunidade local, além do fato de que o BID exige a participação das
comunidades envolvidas. Não se pode
ignorar que a ação do Estado é
imprescindível, contudo, um contra-ponto com a comunidade:
tem-se observado que a participação da comunidade nas discussões e a sua
inserção em tudo o que diz respeito aos programas de intervenção (em
qualquer nível), em seu espaço,
tem dado resultados satisfatórios
[15]
, contrariamente às experiências onde a mesma fica excluída de
tais processos.
8a)
Interface dos recursos, programas e financiamentos e a promoção de
habitação de interesse social. Constatou-se, e também em outros estudos de
pensadores desta questão, que a deficiência de recursos é ainda enorme,
apesar da iniciativa do BID de liberação de financiamentos para o projeto de
reassentamento do Chico Mendes e Novo Horizonte. Para os assentamentos, é
necessária a injeção de vultosos recursos a fundo perdido e/ou
financiamento a juros abaixo do mercado
[16]
. Estes recursos vão desde a melhoria dos obras de urbanização
até a melhoria e/ou construção e/ou reconstrução das unidades
habitacionais. Para o caso dos conjuntos habitacionais, verificou-se que as populações foram urbanizando este conjuntos, sem
apoio do Estado. No entanto, como se constatou no Panorama, Bela Vista IV e
mais ainda no Abraão, são necessários recursos e financiamento para a
implementação de alguns equipamentos e requalificação das áreas coletivas
e comunitárias. A melhoria habitacional é a prioridade face as novas necessidades que foram surgindo com o tempo, como a construção de uma
barreira acústica verde no Bela Vista IV, equipamentos no espaço central do
Panorama, serviços e equipamentos imediatos no Abraão.
9a)
Interface do processo de projeto de assentamentos populares
e a qualidade de vida por eles proporcionada. Verificou-se a
inadequação das políticas de erradicação com as de reurbanização, as
quais são muito mais adequadas quando se tratar de manter as comunidades em
seus locais. Em caso de urgência ou necessidade de transferência de
famílias (situação de deslizamentos, insalubridade, enchentes, etc), ficou
comprovado que a participação das populações atingidas é imprescindível
para o êxito da iniciativa. Para isto, o mais adequado é chamar-se política
de transferência participativa, que deve ser transparente e democrática, e
opere com base nas necessidades de trabalho e consumo das famílias envolvidas.
Com relação, não só esta pesquisa verificou, como outros
pesquisadores têm apontado, no caso de conjuntos habitacionais, a
construção de conjuntos de grande escala e monofuncionais têm contribuído
ao processo de segregação e desqualificação urbana e da qualidade de vida
de suas populações residentes. É necessário, desde o início de
sua implantação, prover serviços compatíveis com as necessidades
dos usuários a que pretende atender, e diversificar a utilização do
conjunto, que não deve retringir-se ao uso exclusivo habitacional. O exemplo
da Vila de ofícios em Curitiba nos anos 80 e outras experiências mostram as
possibilidades qualificadoras da habitação.
Uma alternativa é a opção pela construção de conjuntos menores e
mais diversificados social e economicamente, e inseridos na malha de forma
orgânica, utilizando-se dos espaços vazios e de zonas centrais da cidade que
ficam desaproveitadas. Para isso, viu-se a ausência de uma política
fundiária por parte dos órgãos públicos que deixam para o mercado a
regulação das localizações das populações carentes. Quanto ao
aspecto construtivo, para que se evite a padronização das unidades
habitacionais nos conjuntos, e a “anarquia” de materiais nos assentamentos,
deve-se pensar na racionalização da construção (materiais e técnicas) que
evite os impactos ambientais e busque o reaproveitamento de materiais que se
perdem no processo construtivo e que possam ser reciclados.
10a)
Interface do processo de planejamento urbano e da apropriação de suas
ações pelo público leigo em termos de legibilidade. Tem sido clara a falta
de legibilidade dos programas habitacionais e seu correspondente acesso às
comunidades. Mesmo no caso do projeto “Bom Abrigo”, desde o início de sua
concepção, a participação da comunidade esteve restrita ao aspecto de
consulta ao que já se havia concebido tecnicamente antes. E aqui entra um
problema de falta de legibilidade da linguagem técnica, que é falada de
técnico para técnico, não adaptada ao público leigo. A necessidade de
maquetas físicas é fundamental no ato de concepção e implantação das
propostas. No caso das reações que as famílias estão tendo agora que
começam a ver as unidades novas erigirem-se que elas começam a entender as
escalas e a ver que não era aquilo que pensavam. Verificou-se, nisso, que as
práticas técnicas não mudaram em essência àquelas praticadas pela COHAB
e tão criticadas nos anos 70 e 80, ressurgindo na construção
do conjunto Abraão.
11a)
Interface do planejamento urbano e sua base de pesquisa para efetivação.
Verificou-se a falta de interação entre os órgãos encarregados pelos
programas e o meio acadêmico-científico. Há anos se ressente de uma
relação mais estreita, e até de parceria, entre estas duas partes. Nesta
pesquisa, tentou-se aproximação com o Departamento de Desenvolvimento Social;
mas, por falta de sensibilidade do diretor deste órgão
para as questões a necessidade de contribuição da universidade na
resolução da problemática urbano-habitacional da região de estudo, acabou
não se realizando um trabalho conjunto. No entanto, os técnicos do DDS
sempre estiveram abertos ao acesso de informações e realização de
entrevistas. Viu-se mais uma vez o quanto são necessárias relações de
intercâmbio, reservando-se o direito à autonomia de pensamento
universitário, entre os órgãos públicos e a universidade. Estas relações
estão ainda por serem construídas. A universidade hoje concentra
significativos estudos de diversas regiões nos municípios que lhe são próximos,
e outros do estado de Santa Catarina, e, no entanto, são sub-utilizados. A
recente experiência que a universidade vem desenvolvendo junto às
comunidades do Campeche (sul da lha) e Ingleses e Santinho (ao norte leste da
ilha), onde este coordenador de pesquisa também é coordenador, na
elaboração de planos diretores através das chamadas oficinas integradas e
comunitárias de planejamento
[17]
, revelam a enorme potencialidade de contribuição que esta
entidade pode oferecer à sociedade e órgãos públicos.
12a)
Interface do planejamento urbano e da perspectiva ambiental em termos de
interdisciplinariedade. Tem-se constatado que o método de planejamento das
áreas habitacionais pelos órgãos públicos locais é fragmentário e
desarticulado inter-institucionalmente, como frisamos anteriormente. Conforme
reclamações dos próprios técnicos do DDS/Prefeitura (1999), há muitas
deficiências técnicas como a falta de mais profissionais de outras áreas
que não sejam só de arquitetura e serviço social. Carece-se de um trabalho
interdisciplinar. Por outro lado, verificamos na própria experiência com a
pesquisa que ora relatamos, a necessidade de participação de outras áreas
de conhecimento que ajudem a construir um conhecimento tão complexo que a
duras penas o fizemos aqui. etc.
O tratamento teórico-metodológico da problemática urbana e habitacional
exige hoje a concorrência de áreas como a geografia (fizemos consulta a
pesquisadores neste campo), ciências sociais (verificar níveis de
integração social entre as famílias e comunidades), serviço
social (estivemos com a irmã Paulina Korc), Engenharia Sanitária e Ambiental
( a área tem problemas sérios de saneamento apesar das obras da Prefeitura
no Pasto do Gado), de psicólogos sociais (verificar o nível de identidade
social das comunidades com seu lugar) e biólogos (estudos ambientais da
região).
13a) Interface das comunidades estudadas e a possibilidade da intervenção pós-ocupação de ordem amenizadora. Carecem as comunidades, tanto dos conjuntos como dos assentamentos, de intervenções que qualifiquem os seus espaços, equipamentos e unidades habitacionais. Esta situação constatamos através do método da pós-ocupação, examinando-se o estudo comparativo do que se projetou ou se interviu na área e o que realmente se apropriou ou quais as impressões que as comunidades atingidas tiveram. Nos estudos que realizamos nos conjuntos Panorama e Bela Vista IV, ademais dos estudos feitos, formularam-se diretrizes que poderão qualificá-los, servindo, assim, de base para futuras intervenções via órgãos públicos ou via projetos de extensão universitária.
2.
Referentes
aos resultados metodológicos
Este tipo de
resultado foi obtido através da aplicação com resultados bastante
satisfatórios do método dialético de construção do saber
[18]
, onde o desenvolvimento das atividades foram realizados de maneira
a contribuir para o adequado entendimento dos fatos que produziram esta
situação estudada pela pesquisa. Este procedimento deu-se através das
bibliografias indicadas ou procuradas, onde se construiu o pensar analítico.
Indo a campo, ao mesmo tempo, vivenciou-se a realidade estudada pelas entrevistas aos
moradores e às lideranças, onde se pode entrar um pouco neste mundo de
carência e insegurança que, para a maioria das pessoas, nem sequer sonha que
existe, detectando com esta experiência
seus maiores problemas para que desta forma
se pudesse elaborar
propostas que conseguissem ser mais justas. O resultado
mais interessante deste método de pesquisa foi que ele acabou influenciando
nos próprios objetivos iniciais, pois a cada visita novas situações eram
encontradas e necessitavam ser estudadas provando a dinamicidade da realidade.
Caso o método fosse: primeiro coletam-se os dados e passam-se dois anos
estudando-os sem nunca mais voltar ao local, com certeza os objetivos iniciais
seriam cumpridos, no entanto, para uma realidade que não existiria mais.
Claro que estas mudanças devem ser consideradas até um certo ponto,
dependendo de sua relevância para a pesquisa, pois, senão esta jamais teria
fim.
Após todos estes dados serem obtidos, elaborou-se um dossiê para cada
pesquisa, onde se conta um pouco
da história de como aconteceram as
ocupações, processo descrito também através de levantamento fotográfico.
A experiência vivida tem como resultado um processo de registro de
informações que opera simultaneamente a observação direta de campo, o
levantamento visual (fotográfico), as entrevistas com os moradores e líderes
comunitários (história de vida e de lutas). A partir daí, retorna-se à
leitura conceitual para reconstruir a realidade “concreta” em nível mais
abstrato, para retornar posteriormente à realidade sensível ou empírica. O
resultado deste processo tem sido, por um lado, no amadurecimento em trabalhar
com problemáticas complexas e de diferentes naturezas sociais que exigem um
olhar interdisciplinar e transdisciplinar, pois no início da pesquisa, tinha-se
dúvidas quanto a alguns níveis conceituais e metodológicos de trabalhar com
faces do fenômeno estudado. Este método tardou a ser assimilado pelos
estudantes que normalmente esperam um procedimento mais linear e seqüencial
de pesquisa. Por isso, teve-se que centrar a pesquisa dos assentamentos na
dicotomia reurbanzaçãoXerradicação como forma de orientar melhor o trabalho
investigativo.
Pretendemos aprofundar ainda mais este método de pesquisa para
futuramente escrever a respeito, enquanto contribuição a pesquisas que
surgirem sobre as áreas de estudo ou sobre os temas trabalhados.
3.
Resultados
subjetivos: referentes ao desempenho do estudante bolsista
[19]
Com o desenvolvimento das quatro pesquisas, procurou-se colocar o aluno(a) em contato direto com o objeto de estudo, permitindo-lhe um posicionamento crítico diante do tema abordado. Neste período, pode ser percebido pelo pesquisador um significativo aumento da reflexão crítica, movida agora por um ânimo não só empírico (como é comum aos iniciantes em pesquisa científica), mas ativo na construção e vivência do método científico; de um despertar para outras potencialidades e o aguçar do olhar diante de questões que lhe foram introduzidas por conveniente bibliografia. Esta, por sua vez, ampliou o espírito de curiosidade no pesquisador, no momento em que se mostrou tanto como importante fonte de conhecimento para o trabalho de pesquisa, como contribuição ao que a formação acadêmica graduada tenha deixado deficiente.
O que foi apreendido também já se mostrou útil no estabelecimento de relações entre
os conteúdos disciplinares e as abordagens de pesquisa.
Segundo depoimento dos bolsistas, a satisfação com a pesquisa atuou
como formadora da postura acadêmica e profissional, além de estimular
o interesse para um futuro trabalho com base no objeto de estudo da pesquisa
ou outro tema e objeto de investigação
[20]
.
A partir disto, é possível imaginar que desde este momento já esteja
sendo traçado o futuro do aluno enquanto pesquisador, entendendo o
amadurecimento científico como processo que tem muito a ganhar quando já oportunamente
é iniciado na graduação. A
oportunidade de desenvolver pesquisa na área da habitação serviu aos
bolsistaspara ampliar sua compreensão do que seja habitação e suas
implicações sociais, ambientais, urbanas e arquitetônicas. Como afirma
Matiello: "Planejar
habitações para a baixa renda se torna um desafio ainda maior, onde muitos
arquitetos que têm esta oportunidade acabam por desperdiçar a chance de
proporcionar bons lugares para o desenvolvimento mais sadios de futuros
cidadãos. Isto porque não é uma tarefa fácil, na medida em que a própria
história acaba condicionando os profissionais a repetirem soluções 'ditas
econômicas' e de má qualidade, como se fossem as únicas. Esta
experiência proporcionada pela pesquisa nesta tema em questão mostra as
várias faces de um mesmo
problema: como as pessoas vivem nos assentamentos, as pessoas que trabalham
nos órgãos que intervêm nos assentamentos e as pessoas que estão de fora e
podem analisar e contribuir com estes dois lados, ou seja, o pesquisador."
(Relatório de Pesquisa, Panorama, 1996-1998) Percebeu-se
claramente como os estudantes foram mudando e crescendo na pesquisa tanto no
seu aspecto afetivo (maior motivação e sensibilidade para o estudo da
realidade em questão) como no seu aspecto objetivo, havendo maior qualidade
no trabalho desenvolvido. Vários foram os momentos de surpresa, sensação
que não seria possível se mantivessem à distância o objeto de estudo,
podendo-se “...
entender muitas questões que outrora não se respondiam por simples
observação do lugar, assim como surgiam outras que necessitavam de novas
explicações teóricas” (Tânia
G. Araújo,
bolsista da pesquisa de Chico Mendes). Isso reforça a aplicação do
método como vantajosa na apreensão dos conceitos a serem trabalhados, ou
seja a simultaneidade de etapas. Estes contatos resultaram em muitas
sensações que foram incorporadas ao pensamento da pesquisadora devido a todo
o exercício desenvolvido tanto no sentido técnico científico quanto no
engrandecimento pessoal. O resultado
das experiências pode-se então classificar como gerador de uma maior visão
crítica e enriquecedora com relação à formação graduada do Curso de
Arquitetura e Urbanismo como no que tange ao futuro desempenho como arquiteto
enquanto elemento modificador do espaço
[21]
. Ficam, no
entanto, duas observações sobre o desempenho dos estudantes bolsistas: a) a
pesquisa se ressentiu do processo de formação da graduação, tendo que
utilizar uma parte da pesquisa para introduzir e familiarizar o estudante com
alguns conceitos e método de pesquisa que ainda não havia conhecido no Curso;
b) limites do rendimento principalmente das estudantes bolsistas nos
assentamentos por problema de segurança. Alguns horários do dia (crepúsculo
para verificar o fluxo de retorno do trabalho) e inclusive da noite, referente
à utilização dos espaços
comunitários não puderam ser observados.
DIRETRIZES
GERAIS E ESPECÍFICAS
1. Aspectos Gerais
As
diretrizes abaixo explicitadas foram, conforme processos descritos na
metodologia, a forma desde o início prevista para configuração de nossos
resultados. São o resultado do processo de pesquisa a partir do estudo do
conjunto habitacional Panorama que se iniciou em 1996
[22]
, enriquecido com as diretrizes que foram surgindo na pesquisa
realizada nos assentamentos Chico
Mendes, Novo Horizonte, Via Expressa e c. h. Abraão. Expressam as conclusões
de pesquisa, mas, ao mesmo tempo, formulam
as formas de como poderia a problemática analisada
ser em grande parte resolvida, no sentido de melhorar as
condições habitacionais e urbanas e elevar o nível da qualidade de vida das
populações urbanas envolvidas, assim como propor as bases para uma
política urbana e habitacional para a região estudada.
Devem
ser entendidas não necessariamente como idéias inovadoras e inéditas, mas
caso haja uma reafirmação aqui, nos parece que assim ficam ainda mais
respaldadas pela análise fruto
do conhecimento adquirido com o presente estudo de caso. Esta análise, a
partir da pós-ocupação, nos
permitiu também, no campo
prospectivo, lançar sugestões de ordem mais específica, que além de
contribuir para a formulação de políticas públicas, revertessem em algum
benefício mais real para as comunidades estudadas. Tais sugestões de ordem
“pós-ocupacional”, visam, pois, a melhoria da qualidade de vida destes
assentamentos, diante de uma situação já instaurada, não deixando de
indicar, para novas pesquisas,
possíveis soluções que sejam
aplicáveis à situações semelhantes. As
diretrizes apresentam como diferencial o fato de estarem interrelacionadas aos
demais campos das políticas urbanas. Revelamos, assim, uma preocupação
que parece atual e latente junto às iniciativas inovadoras relatadas, às
quais tivemos acesso, e que se dirigem a uma concepção comum: a
integração entre a questão habitacional e outras problemáticas, como por
exemplo, o problema do desemprego (e que implica, por exemplo, na
inadimplência do mutuário) e as
formas predadoras de concepção e execução de projetos – não só
habitacionais e institucionais - seja
no que se refere ao uso não-renovável de recursos para a construção, mas
também na opção por empreendimentos de grande impacto ambiental e social, e
na ênfase em um desenvolvimento econômico excludente, como é o caso do
modelo de turismo adotado na região de Florianópolis. As diretrizes para uma política habitacional, diante destas
tendências expressas na pesquisa e nas experiências recentes, não podem
deixar de estar relevando âmbitos
diversos como o social, o econômico, o territorial-urbano, o institucional; e
em diversas escalas
[23]
, que poderiam até ir além do nacional e chegam ao nível dos
assentamentos estudados. Avaliamos que uma das principais causas da ruína do
modelo de atendimento da questão habitacional (não só em termos de
déficit, mas de qualidade dos atendimentos), é a forma desintegrada de se
tratar a interface entre os âmbitos citados acima.
A qualidade de vida nos assentamentos passa por uma revisão conceitual
do que se quer para estas populações de baixa renda, com a ampliação
urgente dos parâmetros que definem os atendimentos como estando dentro de
níveis aceitáveis de qualidade de vida. Concordamos
com Nabil Bonduki (BONDUKI, 1996) quando diz que estas experiências não são
tão recentes, mas, como se
contrapunham à maré vigente no modelo centralizador de gestão urbana, ou
modelo central-desenvolvimentista; Seu reconhecimento e visibilidade fez
com que demorassem a aparecer como iniciativas exitosas. Bonduki, como
organizador de um livro onde se relata as experiências bem-sucedidas no
Brasil enviadas para o evento HABITAT, promovido pela ONU, esboça a partir do
olhar comum que atribui a estas experiências, uma denominação de ambiental-participativa para sintetizar as concepções e
pressupostos na tríade participação-desenvolvimento sustentável-qualidade
de vida. Esta denominação, e as experiências nela inseridas, não deixam ao
nosso ver e do organizador do livro, de serem incluídas entre aquelas onde a
questão habitacional é entendida de forma complexa e interrelacionada a
outros campos, não sendo por isso, muito mais difíceis de implementação.
Proposta semelhante tem o sociólogo Horácio M. de Carvalho, expondo nos
anais da OFICINA DE DESENHO URBANO (1996, p.30), quatro variáveis
contemporâneas a serem consideradas no processo de gestação (sic) e
execução de políticas públicas: diversidade, descentralização,
sustentabilidade e participação. Isto nos mostra que a discussão tanto no
meio concreto das experiências reais, como no da academia, a questão tem
rumado para as mesmas tendências. O
que nos parece ter que ficar claro, é que as políticas públicas que venham
a nascer destas diretrizes, não devem deixar de
considerar os âmbitos do macro-econômico e do macro-social.
Do contrário, pode se estar limitando tais políticas a atitudes de ordem
unicamente remediadoras e paliativas, que atuem somente no escopo conjuntural,
sem contudo agirem de forma radical e eficaz na ordem estrutural, com atitudes
preventivas. Ainda
antes de se apresentarem estas diretrizes, é considerável a ressalva de que,
até mesmo pelo processo metodológico dialético com o qual a pesquisa se
desenvolveu, elas não são passíveis de uma estruturação tradicional
proposta para a apresentação do relatório sugerida pelo MANUAL DO BOLSISTA
PIBIC. Assim, nos reservamos o direito, de apresentarmos as diretrizes
(resultados) associados à referência (discussão) que as fez, digamos
assim, “nascer”. Do contrário, ficaria prejudicado tanto o entendimento
como a própria formulação das diretrizes. O próprio âmbito e escala
aparecem correntemente interrelacionados (interfaces), como por exemplo, das
interferências entre os âmbitos econômico sobre o ambiental e sobre o
social, e das escalas federal, estadual e municipal (a partir do
referencial institucional), ou da cidade e dos assentamentos (a partir
do referencial territorial). No
nosso entendimento, vemos que tal apresentação se torna mais didática e
coerente com nossos resultados, não faltando contudo a clareza necessária a
um trabalho científico. Também fica assim expressa nossa postura de que a
eficácia das políticas públicas parte de uma ideologia onde estes
diversos campos devem ser considerados de forma integrada em ações
gestionais paralelas, implicando uma preocupação “holística” consciente
das diversas interações/influências que existem já entre eles.
2.
Questões do escopo estrutural que atuam como pano de fundo para as diretrizes
mais específicas:
2.1.
Interface do processo de crescimento econômico e do modelo de desenvolvimento
territorial-urbano
Avaliar o modelo polarizador,
que embora valorize certas potencialidades das regiões do Estado de Santa
Catarina (Oeste agrícola, Sul mineiro, Litoral industrial-turístico), acaba
concentrando-se em uma única atividade econômica. A ênfase em um tipo de
atividade econômica, como por exemplo
a mineração, pode levar uma região a sérios problemas, especialmente o
desemprego, quando tal atividade sofre crises. Foi o caso da decadência da
atividade extrativista do sul do Estado, conforme citada em PERES (1994). Por
outro lado, ainda se percebe que há uma maior concentração de recursos
públicos e privados em determinadas regiões, fazendo com que este
desequilíbrio ocasione deslocamentos das pessoas, como seria o caso dos
movimentos migratórios, em busca destes recursos*. Verificamos
que se torna necessária uma avaliação do modelo de desenvolvimento
econômico-territorial no Estado
para que as ações no nível da cidade encontrem respaldo em uma esfera
maior, pois o problema do déficit habitacional está intimamente ligado às
crescentes massas de migrantes que migram para a cidade. “Atacar o mal pela
sua raiz”, significa diagnosticar as causas da migração e combatê-las
para que não continuem acrescentando números ao déficit. O governo do
Estado na última gestão (Governo Paulo Afonso), empreendeu, através das
associações de município, um levantamento intitulado Plano Básico de Desenvolvimento Ecológico-Econômico, buscando
através de um diagnóstico destas regiões, lançar diretrizes de
desenvolvimento ou subsidiar outras. Acreditamos que um início para um novo
modelo de desenvolvimento territorial menos segregador seja o levantamento e
diagnóstico das potencialidades de cada região. A partir daí, torna-se
necessário um planejamento territorial que,
a longo prazo, se esforce para diminuir a desigualdade na distribuição de
recursos, utilizando-se racionalmente das potencialidades intrínsecas de cada
região, especialmente no que se refere à exploração de recursos naturais.
Não se trata de criar regiões autônomas, pois é possível pelas
suas características que uma se destaque mais que a outra em algum ramo.
Porém, por exemplo, no caso de oferta de
recursos, determinados equipamentos de grande porte como centros
hospitalares, poderiam estar estrategicamente colocados no território, de
forma a facilitar a acessibilidade para outras regiões, não necessitando que
estejam presentes em cada uma delas. É importante que este novo modelo
questione os atuais paradigmas, como o da exploração predatória dos recursos
não-renováveis, onde a economia se apoia em fontes
que por serem esgotáveis, não apresentam
garantias para o futuro. Alternativas
devem ser estudadas para que a economia das regiões não se concentre apenas
em uma atividade e acabe por gerar condições excludentes. Verificamos isto
na região estudada de Florianópolis, que tem se destacado na
“indústria turística”, a qual é apresentada como a única
possibilidade econômica da região. Além de estar se apresentando
ecologicamente nociva em muitas ações diretas e indiretas
[24]
, é uma atividade de caráter segregador, pelo menos como vem se
realizando. A tendência à elitização deste uso turístico, privatizando e
distanciando os serviços oferecidos daqueles que constituem a camada mais
popular (com decorrente mudança das litorâneas e alocação delas de forma
dispersa em regiões distantes), foge a qualquer parâmetro de justiça social
e valorização da cultura e cidadania. A concepção de turismo deve ser
revista, de forma a valorizar o patrimônio ambiental, evitando ações de
caráter apenas preservacionista, mas avaliando possibilidades de
intervenções que não levem ao prejuízo deste patrimônio. Trata-se ainda
de uma mudança da visão empreendedora, para alternativas como o turismo
social
[25]
, de caráter menos predatório e, mais acessível à população
de baixos recursos. Com o aumento da demanda, a atividade turística com este
caráter poderia ser ainda mais
compensadora em termos financeiros, além da vantagem de ser ecologicamente
mais saudável. A atual forma como vem se dando a expansão da atividade
turística (e isto vale para outras regiões), parece um tanto quanto suicida
ao abusar do que lhe é potencial – os recursos naturais – além de criar
problemas indiretos como a ilusória idéia de emprego fácil para os
contingentes de migrantes de outras regiões, que, ao se mudarem para a
região de Florianópolis, acabam
por se sujeitar ao mercado informal, e
sobretudo, sazonal de trabalho, aumentando a média de pauperização da
população local. O propagandeado potencial natural
turístico não pode ser, até mesmo por seu caráter sazonal, a única
alternativa de desenvolvimento, sob o risco de se aplicar todos os
investimentos em uma ênfase de resultados que nem por isso isente ou garanta
que não hajam perdas, o que é possível através de uma simples temporada de
verão com chuvas! A cidade tem se alertado para novas formas de indústria
não poluente
[26]
– como a de confecção e informática –, embora não se
encontre atualmente nenhuma iniciativa muito significante neste sentido. Por
fim, para a formulação de um novo modelo de desenvolvimento, deve ficar
claro para que é este desenvolvimento e o que se quer com ele. A revisão de
paradigma passa sobretudo pela busca de uma maior equidade na distribuição
de recursos, além de uma perspectiva atenta às interações homem-meio
ambiente, fugindo da atual situação de exploração de recursos
e exclusão da maioria da
população dos benefícios da atividade econômica.
2.2. Interface do processo de crescimento econômico e o fenômeno da migração
A questão das migrações merece atenção especial além do
ponto-de-vista a partir da cidade. Seu estudo ultrapassa a esfera estadual. A
reforma agrária e agrícola
[27]
mostra-se na interface com a questão habitacional como uma das
raízes do problema. Como apresentávamos na introdução destas diretrizes,
esta questão faz parte daquelas cujas soluções encontram-se no nível
estrutural, e portanto, não devem ser submetidas a ações pontuais e
paliativas. Se não houver uma preocupação real de todas as instâncias e um
envolvimento da sociedade como um todo, a tendência migratória dos últimos
50 anos do contingente populacional do campo para a cidade continuará se
evidenciando. Não se trata de creditar todos os males contemporâneos da
cidade ao fenômeno das migrações ou apenas à questão de crescimento
demográfico, mas as ações nestes âmbitos devem acontecer em paralelo, pois
há necessidade também de uma transformação no âmbito da cidade.
Portanto, àquelas
proposições nascidas de um diagnóstico das diversas regiões do estado,
trazendo agora para esta escala, deve-se acrescentar ou enfatizar
a atividade camponesa,
sem contudo associá-la ao regresso tecnológico, mas pelo contrário, efetivando
este reavivamento das atividades no campo através de uma efetiva política
agrícola de natureza democrática, distributiva e descentralizada
(em consonância com a esfera federal),
respeitada a relação com a natureza. Não
se trata também de, com o avanço tecnológico
na contemporaneidade, sujeitar ao isolamento as comunidades camponesas.
Deve-se, sim, incentivar o desenvolvimento das
pequenas cidades de
acordo com um planejamento, associando-as umas às outras em uma rede de
co-dependência em termos de recursos, sejam públicos ou privados (entenda-se
aqui equipamentos como hospitais, centros educacionais como universidades e
escolas técnicas, cooperativas). E, através de uma eficiente
intercomunicação viária, não
haveria nem sub-utilização destes recursos, quanto menos necessidade de
deslocamento para os grandes centros em sua busca. Isto reflete uma
preocupação com o planejamento regional
[28]
, o qual entendemos necessário, e cuja efetivação transcende o
problema da incompetência gestiva (e portanto da esfera institucional), e
adentra, por exemplo, no nível dos interesses de grandes grupos econômicos.
Citamos, por exemplo, o caso das agroindústrias, que têm uma visão oposta
quanto à autonomia das comunidades rurais, através do subsídio para os
pequenos agricultores (tentando manter a monopolização do processo de
industrialização dos produtos e da estabelecimento de preços), o que na
cidade aparece com a manutenção do chamado “exército rotacional”
formado por migrantes, garantindo assim as práticas dos industriais urbanos
com relação à transitoriedade da mão-de-obra.
2.3. Interface do processo de crescimento econômico e das práticas privadas e estatais dentro do campo habitacional
Confirmando a interface da questão do desenvolvimento econômico em uma
aproximação mais nítida com a questão habitacional, é considerável a
representatividade do setor da construção civil em termos de PIB
estadual, cerca de 10%
[29]
. Diga-se, de passagem, um setor em sua maioria atuando de maneira
extremamente artesanal, fugindo da conceituação aceita de indústria
relacionada à intensa mecanização. De acordo com outras informações
obtidas através de entrevistas (junto ao SINDUSCON – ver
item metodologia) , verificou-se a necessidade
de se fomentar este ramo nas suas obras junto à habitação popular,
visto que os retornos junto à outros setores (média e alta renda) têm se
revelado insuficientes pelas circunstâncias atuais em que até mesmo estes
setores tem sentido as conseqüências da instabilidade financeira.
Este fomento deve vir através de
financiamentos com critérios mais flexíveis, em um esforço de
estabelecimento de parcerias e convênios.
A entrada da iniciativa privada na construção para este segmento pode
representar uma vantagem, ao se permitir uma certa concorrência com outras
obras feitas por empreiteiras contratadas pelo Estado
[30]
, gerando uma maior riqueza de projetos e soluções, das quais as
populações terão uma gama de escolha
maior do que a atual, tanto em termos de soluções tipológico-contrutivas,
como no aspecto dos financiamentos. Uma outra face da relação
da habitação com o setor da construção civil refere-se ao seu
caráter artesanal. As inovações tecnológicas têm demorado a serem
assimiladas para o contexto da habitação popular, cujos resultados são em
geral e com razão, associados a
técnicas arcaicas e de deficiente desempenho para os fins desejados. As
iniciativas da gestão Luiza Erundina na cidade de São Paulo relatadas por
Nabil Bonduki (ver BONDUKI, 1996), secretário de habitação popular daquela
gestão, nos dão margem para acreditar que a incorporação de processos de
pré-fabricação e automatização do canteiro em alternativas habitacionais
verticais (com execução das peças em empresa e instalação em canteiro)
são inclusive compatíveis com a concepção de mutirão e auto-construção.
Esta assimilação de novas tecnologias (técnicas, matérias, formas de
gestão do canteiro) estão muitas vezes condicionadas às sanções dos
cartéis, presença esta bem marcante junto à construção civil. São,
portanto, necessárias formas de coibição da ação destes atores,
cuja ação monopólica compromete irremediavelmente a qualidade dos
resultados de uma produção habitacional de qualidade. Uma política de
desconcentração e descentralização produtiva seria o incentivo a pequenas e médias empresas e locais
(atentas à realidade de que tecnologias inteligentes não vêm
necessariamente de fora ou de grandes empresas) em
associação com institutos de pesquisa
(universidades, ONGs com perfil técnico) em busca
de novas soluções. Isto ainda deve estar associado a medidas
restritivas de caráter legal,
seja através de impostos e taxas sobre o uso de tecnologias obsoletas e
incentivos fiscais para aqueles que ousarem nas soluções, principalmente se
estas tiverem baixo impacto em termos ecológicos. Seria o caso
da ampliação do conceito
ISO
[31]
para o setor da
construção civil
(execução e não apenas materiais e ferramentas) de forma que tanto para o
consumidor como para o contratante
ficasse claro o caráter do projeto através de um selo, facilitando sua
escolha.
3.
Diretrizes relacionadas diretamente às áreas de estudo
3.1. Interface do processo de crescimento econômico e da segregação urbana, caracterizado por um modelo desregulador de gestão da cidade
Verificado no nível da cidade
como um todo
[32]
, a conformação espacial dada pelo modelo social
vigente na cidade, que também é ilustrada ao nível do objeto de
estudo, nos faz, por sua vez, delinear diretrizes
frente ao problema da segregação
[33]
. Apontamos para a
forma como se dá o planejamento da cidade, sem uma preocupação com a
equalização dos recursos para todos, descendo ao âmbito, inclusive, do
acesso/direito à cidade, expresso nas permeabilidades/comunicações que por
serem deficientes, deixam de permitir uma maior integração entre os lugares
da cidade. Mais que um problema de ordem gestiva (institucional), vemos aqui a
clara face do conflito entre classes manifestada na apropriação espacial
distinta por cada uma delas. O crescimento econômico da cidade de
Florianópolis, como anteriormente comentado, baseado na atividade turística,
além da idéia de expansão imobiliária
ilimitada sobretudo em sua parte
insular, tem, de uma forma geral, dividido claramente as classes entre Ilha e
Continente. Na primeira, encontramos a tendência por apropriação das
populações mais ricas, que podem pagar pelo alto preço do solo, cobiçado
pela característica singular de ilha. No outro nível, estão as populações
de menor poder aquisitivo, que não podem pagar pelo solo da ilha. Estes
níveis, repetimos, são gerais. Logicamente, existem populações de
condições diversas coexistindo tanto na ilha quanto no Continente
[34]
.
A parte continental evidencia
sua conformação segregadora configurada nas barreiras físicas (vias como a
BR-282), que foram constituídas antes e depois da ocupação por
assentamentos, e tanto reflete a ideologia do conflito que relatamos, como
também certa ingerência rotineira do Estado (institucional) na
administração do espaço urbano. Os assentamentos estudados apresentaram-se
desqualificados em termos de bens urbanos e deficientes em equipamentos de
ordem pública e privada. São exemplos respectivos o posto de saúde e
comércio de maior porte. Estes assentamentos, que ocupam o antigo Pasto do
Gado contrastam, no entanto, no nível de
serviços urbanos, com o “tão longe, tão perto” Kobrasol. Bairro mais
populoso do município de Florianópolis, o Kobrasol apresenta um nível de
recursos bem maior, estando
separado dos assentamentos estudados por
uma via expressa (BR 282) que intensifica
mais a segregação. Dada esta situação que nos parece ilustrativa de
um modelo de planejamento, mesmo que desregulador, queremos apontar para as
possibilidades de integração espacial entre os setores sociais mais diversos
dentro do meio urbano, não só em nível de pós-ocupação para os atuais
assentamentos, como para intervenções planejadoras em áreas novas, embora
sejam difíceis na atualidade em
um território já tão consolidado: 1) Integração entre as instituições gestoras do território no processo de planejamento (DNER, IPUF), para que não ocorra, por exemplo, um planejamento viário que desconsidere o processo de crescimento urbano dos municípios em processo de conurbação. É o caso por exemplo da duplicação das rodovias do norte da Ilha, obra empreendida pelo governo do Estado sem articulação com as intenções do município. Seria o caso também do espacial desenvolvimento de empreendimentos privados de grande porte para atendimento da classe média ao longo da Via Expressa - BR 282 (área de estudo), como shopping centers, hipermercados, postos de gasolina. Embora estejam legalizados e se conclua que sua instalação ao longo de um eixo deste porte seja coerente, há que se verificar que a estrutura para as comunidades do entorno, especialmente a clientela carente, em termos de serviços privados, ainda não foi contemplada. Isto verifica uma falta de sintonia até mesmo dentro do gabinete de planejamento do município. Outro
contraste evidente na área de estudo refere-se ao fato de a Via Expressa
representar importante eixo de ligação entre Continente e Ilha, sem que isto
represente incremento na deslocabilidade das populações vizinhas a esta
rodovia, pela desarticulação entre
o sistema de transporte coletivo e a infra-estrutura representada pela
rodovia. Neste aspecto, é importante lembrar a ênfase dada ao transporte
rodoviário e particular, por si só uma concepção elitista que negligencia
as condições de grande parcela da população para ter
acesso aos bens urbanos, erroneamente (ou intencionalmente, se a
questão for ideológica) pressupondo
que todos dispõem de
veículo próprio, aumentando desta forma as distâncias e, por conseguinte,
as dependências entre os lugares. O transporte coletivo, enquanto isto, deixa
de ser qualificado, sendo que atenderia maior clientela. Também esta ênfase
no deslocamento rodoviário
[35]
, acaba por “seqüestrar” grande extensão do espaço urbano
para a construção de vias e acessórios
[36]
, e numa pretensa tentativa de integração, acabam por exemplo,
contribuindo para a segregação de bairros
vizinhos tão próximos como o Monte Cristo e Kobrasol, segregação
esta evidenciada por um obstáculo físico que é uma rodovia (Via Expressa). Portanto, para os casos futuros, deve-se
questionar as melhores formas de implantação das rodovias,
quando não há outra opção de interligação, avaliando o impacto que
causarão quando vierem a existir assentamentos no entorno.
2)
Criação de mecanismos no Plano Diretor de incentivo à integração,
mesclando diversos usos e, embora não explicitamente, fomentando assim talvez
a diversidade de populações, fugindo assim da monofuncionalidade e buscando
prover recursos melhor distribuídos para todos, objetivando não privilegiar
um segmento da população em detrimento do outro.
Definição no Plano Diretor de áreas para
assentamentos de baixa renda,
ratificando e requalificando as já conquistadas/consolidadas e que não
padecem por insegurança e/ou insalubridade, bem como a adequação de outras
áreas inseridas no meio urbano existentes, com flexibilização dos
critérios de implantação, como cotas verticais (ocupação de encostas),
áreas de urbanização limitada, centros históricos sub-utilizados, áreas
industriais ativas ou desativadas incompatíveis com o valor urbano do solo,
etc. Sugerimos uma revisão nos paradigmas que
determinam ou restringem as ocupações em determinadas áreas.
Considerando que o preço do solo é um dos maiores fatores que contribuem
para uma segregação social urbana,
a avaliação mais criteriosa com relação à possibilidade de se implantar
conjuntos em áreas até então restritas à ocupação é pertinente
[37]
.
3)
Enfim, uma adequação
e integração das comunidades seja às já existentes
[38]
ou
as novas ao entorno,
através de conexão com o tecido
viário do lugar, complementaridade de usos, manutenção dos aspectos
semiológicos/simbólicos do lugar (com facilitadores de apreensão do
espaço, como a comunicação visual), compartilhamento de equipamentos
comunitários, exploração da diversidade tipológica, etc.
[39]
Evitar, pois, a partir desta postura, a
periferização dos assentamentos especialmente os de baixa renda
com dificuldades compreensivelmente maiores de deslocamento. Se necessário,
providenciar facilitadores não só em termos de deslocamento, mas que ainda
se fomente a auto-suficiência desta
nova comunidade, associando-a às vizinhas em termos de compartilhamento de
bens urbanos.
4)
Incentivar a representatividade das comunidades,
para que no exercício de cidadania e participação ativa no processo de
gestão do território se integrem mais à cidade legal.
Entendemos que o envolvimento das populações na construção de seu
território, pautada na participação nas decisões que o conforma, é fator
incentivador de um espírito de estima e pertinência, facilitando inclusive a
permanência e perseverança das comunidades em seu lugar, mesmo diante das
investidas do capital especulador. 5) Priorizar o transporte coletivo e qualificar as formas de acessibilidade entre as diversas áreas da região conurbada de Florianópolis. Vemos que um dos fatores que vem justificando a periferização dos novos assentamentos tem sido a propagandeada possibilidade de integração destas áreas com a cidade através do transporte coletivo. No entanto, a revisão hemerográfica nos revelou que os últimos conjuntos habitacionais construídos, como é o caso do Caminho Novo em Palhoça e José Nitro em São José [40] , apresentaram-se por um bom tempo deficientes com relação ao transporte. É nítida a participação ativa do capital privado (empresas de ônibus) em logo promover, à medida em que a demanda compense, linhas para os novos conjuntos. No entanto, desta maneira deixa-se de planejar o deslocamento, em detrimento de alternativas às formas tradicionais. A ênfase na região de Florianópolis no transporte particular faz com que os poucos canais de intercomunicação viária entre os municípios se esgotem em sua capacidade nas horas de rush, que coincidem com o início e o final de expedientes diários. Avaliamos que a estrutura viária em outras horas do dia se encontra sub-utilizada em sua capacidade [41] . Podemos supor a hipótese de que o passageiro de veículo particular opta pelo deslocamento desta forma acreditando que o fará de forma mais rápida. No entanto, como a maioria acaba utilizando ao mesmo tempo seu veículo particular, gerando um trânsito caótico que não beneficia ninguém. Alternativas tidas como radicais nos grandes centros, tomadas com intuito de diminuir a poluição, têm aplicado o sistema de rodízio para coibir o uso de veículos particulares [42] . No entanto, avaliamos que a qualificação do transporte coletivo seja o grande incentivador de uma mudança de comportamento, associado a uma campanha que desperte para a consciência de que o transporte particular tem mais desvantagens e acabe assim por levar quem usa seu próprio automóvel a optar pelo transporte coletivo. Um locus tão singular como é a região (relação ilha e continente), alerta para um potencial intrínseco: o transporte marítimo, que pode apresentar vantagens diversas como ser agradável (vista do mar), ágil (não dependendo das rodovias) e integrador (uma vez que o mar passa por todos os municípios da região), além de, dependendo da embarcação, pode ser mais econômico e menos poluente. Os empecilhos para a instalação desta alternativa são: a) existência de pressão dos representantes dos monopólios do transporte rodoviário; b) no âmbito social, o desejo por parte dos empresários do setor turístico de manter distantes as populações mais pobres, que até agora se viam em desvantagem pela periferização, de usufruir das praias da ilha. Já há a alternativa de se integrar os municípios da região através do transporte coletivo rodoviário, cujo projeto é do Departamento de Transportes da Prefeitura e do DER. .Mmesmo com a efetivação deste projeto, que prevê estações integradoras que viabilizam baldeações sem se pagar outra passagem, a qualificação dos deslocamentos pode estar considerando a associação ao transporte marítimo. Se continuar a ênfase no privilégio ao veículo particular através da construção de novas vias e duplicação das antigas, sem associar estas empreitadas civis ao projeto de integração do transporte coletivo, as iniciativas alternativas tendem a naufragar [43] . É necessária uma priorização dos atendimentos estatais para investimentos que atendam de forma eficaz a maioria da população, questionando-se se no caso de investimentos como a Via Expressa Sul, quem é mais beneficiado [44] . Podemos pensar que a cidade cuja malha viária apresente-se
complexa seja demonstrador de integração: mas integração para quem? Quem
fica com direito ao acesso amplo à cidade? Quem tem carro apenas?
Portanto, trata-se de uma revisão do paradigma rodoviário, a partir
da visão de que não basta asfalto se não houver alternativas de transporte,
que beneficiem assim a maior parte da população, facilitando a integração
entre os lugares e o direito de
todos à cidade. Ao se inovar com alternativas ao transporte particular, ainda
se lucra com vantagens de ordem econômica, social e ecológica, com
resultados menos poluentes
e que não exijam alterações radicais na paisagem natural (como é o
caso dos aterros que acabaram por afastar a cidade cada vez mais do mar),
onerosas, e que em geral implicam
em erradicação das populações, contribuindo ainda mais para a segregação
social que se dá no espaço urbano. Portanto,
neste âmbito, apresentamos sugestões mais concretas, apoiadas em trabalhos
recentes
[45]
, que estão atentos à conformação espacial
urbana dada pela rede rodoviária de comunicação :
·
No que diz respeito à estrutura
viária e sua interrelação com o processo de segregação referido
anteriormente, é necessário que se estabeleçam
ligações transversais (sentido Norte e Sul)
no continente, que interliguem inclusive os extremos da parte continental,
promovendo a instalação de linhas que façam a comunicação rápida entre
estes extremos, o que hoje não é contemplado pelas linhas circulares de
transporte coletivo (ver mapas no anexo
1). · Repensar a BR 282 em sua relação com os entornos imediatos e mediatos tendo em vista sua integração com o sistema viário da parte continental. Do ponto de vista da segregação sócio-espacial, destacamos a necessidade de relocação das populações que hoje ocupam as margens da BR282, tendo-se em conta um programa urbano-habitacional e social que não trate estas populações como problema marginal ou residual da implantação dos equipamentos, serviços e infra-estrutura ao longo desta via. Neste sentido, apontamos para algumas ações que são básicas para uma reestruturação do sistema viário em questão e que beneficiam as comunidades vizinhas que constituem nosso objeto de estudo: a) implantação de viadutos e passarelas (ver croqui abaixo que ilustra experiência semelhante em Curitiba-PR) em pontos que apresentam maiores problemas de acidentes e intensidade do fluxo de passagem e que são fundamentais para a integração de atividades que hoje estão cortados pela BR 282 (como se pode constatar, por exemplo, na Vila Aparecida I e II e as áreas adjacentes, onde a escola que está do “outro” lado da BR 282; a busca por serviços especializados no bairro de Campinas/Kobrasol); b) necessidade de criação de linhas circulares mais regulares ou de passagem transversal que permita aumentar o grau de acessibilidade para as populações, não só às da área estudada, bem como do Estreito; c) implantação de serviços que supram as necessidades das populações carentes próximas à BR 282, pois se verificou um crescimento desordenado quase sempre conformado por assentamentos clandestinos que carecem desta estrutura básica; d) evitar a concentração de serviços somente destinados aos usuários de veículos [46] que trafegam ao longo da BR 282, oferecendo opções acessíveis para a população local e diversificando os serviços também do ponto de vista destes usuários, como postos de saúde (emergência), feiras de horti-granjeiros; mercadões populares, etc.; e) pensar na implantação de um terminal intermodal [47] , por exemplo, no cruzamento das ruas Ivo Silveira com a BR 282, importante nó viário de confluência entre os fluxos de diversas partes do continente; f) preservação ambiental das margens da BR, evitando-se a ocupação como forma de fazer “respirar a paisagem”, bem como em harmonia com as intervenções viárias, valorizar esta paisagem, sobretudo no que se refere aos visuais para o mar; g) uso
das marginais que forem
construídas para escoamento do transporte coletivo.
Croqui
que ilustra experiência semelhante em Curitiba-PR
3.2. Interface do processo de planejamento urbano e da apropriação de suas ações pelo público leigo em termos de legibilidade
Embora já comentado anteriormente no que se refere à segregação espacial em específico, acrescente-se ainda que o Plano Diretor deve ser encarado como um instrumento de negociação (GONDIM, 1996), e dentro do âmbito institucional representa uma das formas de aproximação das populações do processo gestivo; não, porém, com a conformação atual da legislação, praticamente ilegível para os leigos. Neste sentido, um grande avanço, dentro de um programa de participação democrática das populações, e inclusive condição para este, seria facilitar o entendimento por parte dos leigos de como se dá a configuração do espaço, através de simulações gráficas. Os recursos atuais oferecidos pela informática possibilitam uma verdadeira interação com o usuário, que através de sistema multimídia teria possibilidades de escolha e de reproposição, uma vez que ficaria melhor visualizado o conjunto das intervenções. No entanto, não se deve imaginar o Plano Diretor como instrumento isento de manipulação e influência de interesses. Por isso, é eficaz a permanente fiscalização de sua aplicação, tanto por parte das comunidades, suas parceiras, bem como dos esquemas jurídicos tradicionais. O Plano
Diretor, no momento em que for concebido como um instrumento de negociação,
pode estar se apresentando não tão rígido, como é de costume, mas mais
próximo da realidade (e das necessidades). Temos que entender que muitas
vezes o Plano Diretor é quem constrói/modela a cidade através de seus
índices urbanísticos que acabam por tolher soluções inovadoras. Neste
sentido, é importante ressaltar a dificuldade averiguada junto aos técnicos
das instituições que projetam a habitação popular com relação aos
empecilhos apresentados pela legislação urbana. Há
necessidade de uma especificidade para os projetos populares, não um mera
concessão, mas uma adequação à realidade deste segmento.
Estipular caixas de ruas com dimensão de avenida (!) para um conjunto
habitacional, e recuos inócuos acabam
tanto impedindo soluções tipológicas alternativas, como elevando o preço
da habitação para o usuário devido à falta de racionalidade no uso do
espaço.
3.3.
Interface do planejamento urbano e sua base de pesquisa para efetivação
Atentando para que, na realidade atual, inclusive no município de Florianópolis, as ações de planejamento e a legislação saem de um instituto (o IPUF), queremos deixar a sugestão de que os processos de pesquisa e levantamento sejam mais intensos e comecem a existir nos casos em que estão ausentes, pois não pode continuar havendo um planejamento sem bases confiáveis. Consideramos obviamente a interface da comunidade através do processo de participação democrática como um colaborador, ainda mais se estas comunidades forem estimuladas a atuar, através de suas associações, em parceria com os institutos de planejamento e Universidade (particularmente o curso de Arquitetura), sendo que estes últimos incentivados a empreenderem pesquisas na comunidade. No entanto, é necessário mais que isso: a mudança de “concepção de gabinete”, presente em muitos arquitetos e urbanistas de que a intervenção na cidade é algo de cima para baixo, e que o desenho que sai de suas pranchetas é o ideal. Há necessidade de um respaldo que só a pesquisa pode dar. E, considerando-se essa perspectiva de sustentabilidade que vem norteando nossas diretrizes, queremos ressaltar que o caráter desta pesquisa se torna mais rico à medida que agrega conhecimento multidisciplinar, para que o planejamento, por sua vez, tenha possibilidade de ser interdisciplinar, legítimo e com base científica e social de viabilização [48] . Este âmbito da pesquisa não precisa, no entanto, estar se dando, apenas através das instituições de planejamento, mas em convênio com as Universidades, estar aproveitando a atualidade da discussão acadêmica bem como de seu potencial humano, absorvendo os trabalhos desenvolvidos na universidade, estimulando inclusive a participação efetiva dos pesquisadores universitários nestes institutos. Ao nosso ver, um dos grandes problemas para a questão
habitacional é de que o número de seu déficit
[49]
é algo muito controverso, sobretudo pela ausência de critérios
adequados de pesquisa, tendo-se muitas vezes as ações se baseado em
estimativas superficiais, o que no âmbito das “manobras políticas”, faz
com que cada gestão alardeie como queira a contemplação do problema. Este
exemplo nos ajuda a ver, mais uma vez, que mais que uma questão de
incompetência institucional, há por trás mecanismos de cunho ideológico e
político que mascaram a realidade e obstaculizam sua apreensão através de
processo de pesquisa. Mais que nunca, então, nos parece justificada a
interface com as universidades, reconhecida base de saber e previamente tida
como idônea e imparcial.
3.4. Interface do planejamento urbano e da perspectiva ambiental em termos de interdisciplinariedade
Dentro da perspectiva de sustentabilidade, pensamos
que o planejamento deva se dar cada vez mais em uma esfera interdisciplinar,
subsidiado por pesquisa multidisciplinar e transdisciplinar. Não se trata de
uma sobreposição de pareceres de cada especialista, mas em um trabalho
articulado de abordagem e tratamento metodológico e de intervenção.
Citamos algumas áreas principais para o trabalho acerca do
planejamento de políticas urbanas e especificamente daquelas que se referem
à habitação, além da Arquitetura e Urbanismo: Sociologia, Serviço Social,
Engenharia Sanitária e Ambiental, Administração Pública, Geografia Urbana,
Biologia, entre outras. Este procedimento dar-se-ia dentro
da postura de um planejamento integrado, onde profissionais de diversas áreas
interagissem, fossem
representando órgãos responsáveis ou não.
Com relação a isto, por sinal, acreditamos que cada vez também devam
estar mais presentes na esfera do planejamento
integrado e inter-setorial a maior gama de órgãos,
citando aqui por exemplo a CASAN, CELESC, DER, FATMA, IBAMA, IPUF, para que as
ações de cada um sejam coerentes entre si e com a perspectiva comum de
desenvolvimento sustentável que se deseja. Diga-se de passagem, que tal
intento já tem acontecido, mas no âmbito de seus escritórios gerais na
capital (dado que foi avaliado da hemerografia). Falta uma integração destes
órgãos no nível local, especialmente das regiões interioranas. A partir de
uma descentralização de suas ações, sem perder
contudo a coesão destas entre si,
cada órgão poderia estar relevando com mais consideração a realidade
específica de cada região. Problemas tanto na cidade de Florianópolis como
particularmente ilustrados pelo objeto de estudo servem de exemplo: o
constante esburacamento de vias para reparos/ampliações
de sistemas sub-viários, ora de luz, ora de água, ora de telefone,
sem previsão de uma ação conjunta; instalação de redes de infra-estrutura
em assentamentos clandestinos contradizendo a ação fiscalizadora do Estado
(exemplo das ocupações irregulares em encostas, dunas e manguezais
da ilha),; construção de estradas e rodovias em escala intermunicipal -
competência estadual e federal - em
espaço urbano denso em desconsideração para com o planejamento previsto na
área pelas instâncias municipais (caso da Via Expressa Sul da duplicação
da rodovia estadual de acesso às
praias do norte da ilha).
3.5. Interface entre o público e o privado na esfera de planejamento urbano
Deve-se estabelecer parcerias entre o Governo e os investidores privados. Neste sentido, costuma-se ver os empreendedores em geral exigindo suportes estruturais para realização de suas obras cujos benefícios não são estendidos à toda a população. Passamos aí para um processo de mudança de consciência deste setor que deve encarar a necessidade de arcar sozinho com os custos de implantação de seus intentos, e não ficar esperando a contrapartida do Estado. Neste âmbito, verificamos que o Estado mesmo se mostra ineficiente no atendimento das necessidades, sendo um exemplo a não-conclusão do projeto da BR 282, que ficou com um sistema deficiente de marginais. No entanto, o investidor privado (BIG SHOP), que seria beneficiado com a construção da marginal, bancou-a inclusive com o acréscimo da remoção das famílias faveladas que ocupavam o lugar. Atitude tida como exemplar na época, a contrapartida do Estado não houve, mesmo diante da iniciativa do capital privado: as famílias permaneceram em barracos, ao lado do supermercado BIG SHOP durante três anos, sendo posteriormente removidas para o conjunto Abraão no outro lado da BR 282, há menos de 1 km. Este fato revela como foi rápida a liberação da área para a construção da marginal de acesso ao empreendimento BIG SHOP, sendo que o Estado serviu de agente de apoio à iniciativa privada. No entanto, tem que se ter cuidado para que a gestão do território não acabe por demais nas mãos do capital, tendo que haver uma espécie de comissão para acompanhar estes processos.
3.6. Interface da administração do município com a de outros municípios em termos de descentralização e autonomia de processos gestionários com participação não-governamental
A proposta de planejamento dentro de uma ótica da sustentabilidade aponta para alguns princípios inclusive já inseridos dentro das diretrizes anteriormente descritas, como a interação entre profissionais de disciplinas diversas, tratamento de problemas que transcendem a escala municipal através do planejamento regional e estratégico, etc. Apontamos aqui particularmente para o caso do Aglomerado Urbano de Florianópolis, composto pelos municípios de Biguaçu, São José e Palhoça, a necessidade de uma política de incentivo à administração conjunta de todos estes em termos de planejamento urbano. Muito mais que questões como o lixo (também muito importante), a expansão urbana [50] deve ser tratada como questão fundamental por todos os municípios em conjunto. Deve ser tratada não só em seu aspecto demográfico de aumento do contingente das populações, mas a forma desregrada com que vem se dando o crescimento dos municípios do Aglomerado Urbano de Florianópolis. Apontamos para a ligação polar que existe entre a Ilha e o Continente, resultado de uma dependência que implica em problemas como a dificuldade de deslocamentos onde a ilha serve de um modo geral, como lugar de emprego e prestação de serviços, e as áreas continentais como lugar de dormitório. A falta de uma política de desenvolvimento adequado para a região faz com que estas dependências se acentuem, agravando os problemas urbanos de oferta de recursos, deslocamento das populações, dificuldade de criação de empregos, periferização/segregação dos assentamentos, e “inchamento” da malha urbana em direção de áreas ambientalmente frágeis: manguezais, encostas, fundos de vale. As perspectivas mais recentes de eco-desenvolvimento alertam que é justamente no âmbito da municipalidade e adjacências que as atitudes de ordem transformadora têm chance de sucesso, ainda mais dentro de uma postura integradora, tão contrastante com atual dissociação entre as decisões de ordem administrativa que se contempla. Este planejamento em conjunto, por sua vez, poderia estar sendo viabilizado em termos de instância legal, através da criação do que se chama de delegacia regional de planejamento. Esta teria o papel de dar conta da articulação das demais hierarquias, prefeituras, secretarias e concessionárias de serviços públicos em atividades centralizadoras de forças, como por exemplo, um projeto de integração viária entre os municípios, ou de um projeto de desenvolvimento econômico que levasse em consideração os potenciais de cada município, etc. Isto aconteceria aos moldes do que já acontece no nível do município de Curitiba, que elegeu Idéias-força que se realizam através da iniciativa de secretarias próprias que se responsabilizam pela integração dos órgãos afins, em um processo que se dá de baixo para cima. Em geral, a ação integrada entre as secretarias e
demais órgãos acaba não acontecendo pelo entendimento difícil entre seus
burocratas, numa falta de entrosamento/engajamento com a idéia. A eleição
de uma idéia-força, administrada por uma secretaria específica
contribuiria, assim, para uma maior integração.
Em uma menor escala, delegacias de bairro
[51]
poderiam estar
estrategicamente instaladas, e no mesmo espaço físico estarem se processando
de forma descentralizada, além da atividade gestora formal do bairro,
atividades como: foros de discussão para políticas de participação
democrática da população, oferta de atendimentos institucionais públicos e
privados (bancos, posto de saúde, confecção de documentos, biblioteca),
ampliando assim o acesso à cidade às populações, “trazendo a cidade até
elas”. Em termos arquitetônicos, este espaço físico pode ser um
elemento de ordem simbólica que remeta à memória histórica das
comunidades, contribuindo para o fortalecimento de suas identidades.
Bonduki fala que neste tipo de representações das comunidades (os
foros de bairros) tem-se a chance
de se colocar oposição à situação costumeira
de interrupção em programas prósperos apenas pela mudança partidária nas
gestões municipais. A associação destes foros de bairro com ONGs seria a
parceria ideal para que as iniciativas exitosas prosseguissem
independentemente das oscilações políticas, e onde o Estado, no caso
através da Prefeitura e Câmara de Vereadores, reconhecesse a legalidade
deste tipo de representação, e fosse apenas um moderador/facilitador neste
processo de colóquio entre as comunidades
[52]
. As organizações
não-governamentais – ONGs – entram com a contrapartida de subsídio
técnico (formação) e adequação das soluções à problemática local
competentemente diagnosticada
[53]
.
3.7.
Interface do processo de gestão urbana e participação democrática das
populações
Condição básica também para um desenvolvimento sustentável, é o planejamento com participação democrática das populações. No entanto, esta concepção de planejamento engloba, mas não se restringe, à prática do orçamento participativo [70] . Este também faz parte do processo de planejamento, quando a comunidade envolvida decide, escolhe, opta pelas opções de aplicação dos recursos financeiros. No entanto, se a prática do planejamento se resumir à aprovação do orçamento, isto passa a ser apenas um legitimador das atitudes do Estado. Quando a população intervém no processo de planejamento com sugestões, consciente para o exercício deste papel, aí sim tem-se configurada um planejamento participativo verdadeiro. Neste âmbito, reconhecemos que existe, além dos empecilhos político-ideológicos [54] para a implantação desta concepção, alguns outros de ordem funcional e prática. Exemplo é a dificuldade em se implementar foros de participação do coletivo, fugindo das práticas clientelistas e apontando para uma realidade diferente da atual onde as populações não intervêm diretamente no planejamento da cidade. Em geral, mesmo as representações de bairro, na forma de membros ativos das associações não se encontram capacitadas para o processo de participação, ainda estando dentro da lógica da barganha, do tipo: “o que ganhamos com isso?” Sabemos que em um primeiro momento de implantação desta tentativa, as populações acabam tendo visões mais imediatistas do que as dos técnicos, devido à proximidade e vivência que elas tem de seu problema e seus parâmetros de urgência. É neste âmbito que entra a necessidade de formação de lideranças para o processo de gestão, que possam ser instruídas a avaliar não apenas com um enfoque de sua comunidade, mas mais abrangente, as necessidades da cidade, propondo soluções. Elas seriam também a interface entre os técnicos e a população, no entendimento dos reais anseios, bem como na indicação de possibilidades intrínsecas à dinâmica só conhecida pelas próprias comunidades. Afinal, são elas que sabem, por exemplo, a intensidade de seus laços de solidariedade, de suas habilidades para certos trabalhos que podem, por exemplo, tanto estimular quando desincentivar uma prática do tipo mutirão/autocontrução. Também facilitar-se-ia a assimilação por parte da comunidade do processo de planejamento através de recursos que traduzissem o saber técnico em forma mais compreensível para os leigos. Estes recursos podem tanto partir da criatividade da
comunidade, como maquetes que eles construam, como de métodos de simulação
computacional introduzidos pelos técnicos. Enfim, nota-se uma necessidade
de visualização em três dimensões da realidade, que facilite a interação
dos envolvidos, e “tire-os
da posição passiva” na qual em geral se encontram, permitindo que suas contribuições a partir de suas leituras
da realidade sejam absorvidas pelo projeto.
Este subsídio técnico, como já comentávamos, pode ser estabelecido
através da colaboração das ONGs, que podem bancar a formação destas
lideranças, em um processo contínuo de construção
do conhecimento crítico e da prática cidadã de construção de seu território. Assim, no próprio exercício de
participação ativa, o cidadão acaba por apreender e visualizar melhor sua
realidade.
3.8.
Interface dos recursos, programas e financiamentos e a promoção de
habitação de interesse social
Dentro do aspecto dos financiamentos, a pesquisa junto aos órgãos
responsáveis pela habitação revelou que o problema financeiro é um dos
maiores obstáculos à contemplação do déficit e sobretudo, melhoria do
padrão/qualidade dos serviços e produtos oferecidos. Foi observado que há uma rede complexa e até
mesmo confusa de ser assimilada que fomenta as iniciativas habitacionais. Em
geral, os empreendimentos recebem recursos de fontes variadas: saneamento
financiado pela esfera federal, execução da esfera estadual, por exemplo.
Apesar da tendência da atual gestão federal Fernando Henrique, expressa
através da Política Nacional da Habitação
[55]
de diversificar as linhas
e programas de financiamento, ainda existem alguns obstáculos a serem
vencidos através de: 1) Flexibilização de
critérios (necessidade
justificada pelo ”naufrágio” de muitos programas que padeceram esperando
por interessados, e que acabaram excluídos pela excessiva burocracia); 2) Maior
integração das esferas institucionais,
até mesmo para evitar desvios, através de uma instância supervisora, e que
administre de forma sensata e ponderada os recursos, 3)
Pesquisa que dê respaldo à implantação de programas,
visando atender as reais necessidades dos possíveis mutuários, com
correspondente diversificação dos programas
[56]
; 4) Inovação nas formas de
arrecadação, destinando
por exemplo, recursos das loterias para composição de fundos
[57]
; 5) Associação dos programas a diretrizes de âmbito social (formação
de mão-de-obra, incentivar abertura de “negócios domésticos”), no
sentido de garantir a estabilidade do trabalhador no emprego e com isso
diminuir a possibilidade de inadimplência; 6) Verificação da possibilidade de
adequação de um programa de locação social;
7) Incentivo à formação de cooperativas
habitacionais de corporações (sindicatos), com contrapartida dos empregadores
(recursos e garantia junto à Caixa Econômica Federal, por exemplo); 8) Abertura
a novas tecnologias
[58]
, inclusive
subsidiando-as, para que, com suas vantagens de ordem econômica, social e
ecológica beneficiem os mutuários e o meio como um todo, ao contrário de
algumas tecnologias tradicionais e já obsoletas; 9) Associado
à diversificação de programas, incentivar
no meio urbano, a consolidação de assentamentos mais heterogêneos em termos
de grupos sociais,
evitando a “guetização” dos conjuntos. Portanto, através dos processos
de seleção dos moradores, providenciar critérios elaborados por
profissionais competentes (sociólogos, assistentes sociais) que promovam uma
integração e riqueza de relações entre os distintos segmentos.
3.9.
Interface do processo de projeto de assentamentos populares e a qualidade de
vida por eles proporcionada
No aspecto mais específico do projeto de
conjuntos e/ou moradias populares, embora contemplado de melhor forma
por outros sub-projetos (ver
anexo), apontamos para algumas implicações diretas das políticas
públicas e suas concepções sobre o aspecto projetual. Conforme
principalmente averiguado junto às entrevistas realizadas no Setor Técnico da COHAB e no
Departamento de Habitação do Município, lançamos algumas sugestões que
colaboram para a adequação de novos projetos na área da habitação
popular: 1) Em caso de implantações irregulares (favelas, por exemplo) averiguar
necessidade de relocação
(em situação de risco por deslizamentos, insalubridade, enchentes, etc.), buscando
alternativas de urbanização
e se for preciso a construção de moradias novas, que seja feita no próprio
local do assentamentos espontâneos; 2) Que os novos
conjuntos se insiram na malha urbana
do entorno,
aproveitando os interstícios da cidade constituídos
por terrenos ociosos; 3) Que se opte por conjuntos
menores
[59]
, fugindo da
tendência de se implantar enclaves monofuncionais (só habitação) e
monossemânticos (tipologias repetitivas) que desarmonizem com o entorno,
objetivando qualificar o espaço da moradia, além de facilitar a gestão
condominial (menor conjunto = menos condôminos); 4) Se houver necessidade de
se implantar grande número de unidades, sejam multi ou unifamiliares, que se
fomente, se possível, a instalação de uso
agregado à unidade de uso diferente do habitacional,
o que seria um “negócio doméstico”
[60]
, ou mesmo de presença de unidades comerciais e de serviços
integrados aos assentamentos
[61]
, bem como de serviços que contemplem à demanda referente ao
contingente populacional; 5) Estudar novas
tipologias, que através de sua flexibilização (possibilidade de reformas), que se
adequem à padrões sociais específicos (ex.: famílias só de órfãos e
solteiros), simbólicos (relacionados às idiossincrasias dos moradores, como
cores), funcionais (de acordo com necessidades dos usuários), regionais
[62]
(em termos de conforto térmico e elementos arquitetônicos ou de
programa), econômicos
[63]
(possibilidade de agregar uso distinto do residencial); 6)
Racionalizar o uso do solo,
através de soluções tipológicas que contestem a legislação existente
[64]
. Há necessidade de uma legislação específica para habitação
popular, atenta à sua realidade. São nítidos os efeitos da legislação em
termos de desperdícios de
espaço com vias super-dimensionadas, recuos entre edificações que não
garantem salubridade lumínica e térmica, etc.; 7) Evitar
negligência com relação à qualidade dos materiais de construção,
buscando contemplar questões de conforto ambiental (térmico, lumínico,
acústico), bem como o aspecto estético. Os custos inicialmente podem
apresentar-se altos, mas não são comparáveis aos custos de manutenção,
re-execução e reposição de sistemas e materiais falhos posteriormente. A
valorização de um projeto nestes aspectos colaboraria inclusive para o
desenvolvimento de um espírito de zelo junto aos mutuários
[65]
.
3.10. Interface das comunidades estudas e da possibilidade da intervenção pós-ocupação de ordem amenizadora
No
que se refere às comunidades estudadas, especialmente o Conjunto Panorama, expomos
aqui algumas diretrizes específicas que ainda não tenham sido contempladas
nas demais sugestões: 1) Parceria com a UFSC
(Departamento de Arquitetura e Urbanismo) através
da CONSCOPAN (Conselho Comunitário
do Panorama), para elaboração de projeto para as
áreas livres. O conjunto
carece de espaços públicos qualificados, bem como de espaços específicos
para o lazer das crianças e idosos. Incluiria o projeto paisagístico e de
equipamentos, cuja execução pudesse se dar através da auto-gestão da
comunidade; 2) Em uma segunda etapa, avaliar a
possibilidade de integração entre as áreas privatizadas de cada bloco, ou
qualificação destes espaços
mesmo sob esta condição, uma vez que acabaram se tornando espaços “de
ninguém” padecendo por desuso e má apropriação. Poderiam ser áreas
potenciais para lazer de crianças menores
[66]
(aos olhos dos pais), para churrasqueiras coletivas ou
sombreamento, uma vez que é quase inexistente a cobertura vegetal na área;
3) Estender o projeto paisagístico para áreas do
entorno, especialmente em
vista da futura vizinhança do conjunto Panorama II, amenizando
o efeito impactante das tipologias do conjunto
(criação de bolsões arborizados, instalação de mobiliários urbano
como bancos, telefones públicos cobertos, pontos de ônibus qualificados,
alargamento dos passeios); 4) Avaliar
a possibilidade de instalação de um núcleo de
comércio e serviços articulado ao espaço comunitário,
fomentando relações intra-conjunto, bem como contribuindo de alguma forma
para a arrecadação do condomínio ou da associação comunitária; 5)
Projeto de pintura para os blocos,
buscando através deste recurso uma diferenciação simbólica que ajude na
identificação; 6) Estabelecer mais permeabilidades
para o exterior do conjunto,
considerando a viabilidade (devido às cercas já existentes) e a questão de
segurança.
3.11. Com relação a algumas diretrizes específicas a serem adotadas nos assentamentos Chico Mendes, N. S. da Glória e Novo Horizonte [67]
Por estudos até aqui desenvolvidos, formulamos algumas conclusões que se configuram como as seguintes diretrizes:
·
Ter a
preocupação de se atuar de maneira a não provocar a posterior expulsão da
comunidade da área, pela valorização decorrente das melhorias, com a
ocupação do espaço por outras populações de melhores condições
financeiras e, em consequência, da saída daquela população
e a formação de uma nova
ocupação em outra área.
·
Intervir
de maneira a evitar que outros interesses, como o capital privado, venha a
especular em cima daquele espaço.
·
Atender
às necessidades reais da população, de
maneira que não ocorra a degradação de equipamentos, ou mesmo no
que se refere à unidade habitacional, que seja adequada aos costumes e
cultura daquela população.
·
A
reurbanização ainda se mostra como uma estratégia de assentamento e
reassentamento habitacionais mais adequada face às carências significativas
urbanas e habitacionais por que passam as regiões principalmente periféricas
de nossas cidades em Santa Catarina. A erradicação implementada nas áreas
estudadas reproduz velhos vícios institucionais e sociais de segregação e
exclusão, contrapondo-se à tendência de democratização crescente dos
processos de gestão urbana, onde as populações de sem-teto vem
paulatinamente se organizando na luta por seus direitos. O que se coloca como
mais apropriado é a estratégia de relocalização em substituição à
erradicação que, como o próprio termo denota, significa arrancar pela raiz,
como tem sido o processo de deslocamento das populações antes localizadas na
Via Expressa e que hoje se encontram no c. h. Abraão e outros conjuntos como
o Vila União há 20 Km do local onde antes moravam. Pode-se inclusive
desenvolver combinações entre estas estratégias de forma a garantir a
sustentabilidade social, ambiental e urbana das comunidades envolvidas.
·
Com
relação à acessibilidade e
estrutura viária na área estudada, e com base no sistema viário proposto
pela Prefeitura/DDS, conforme orientações do setor de transportes da PMF e
IPUF, o sistema de acessos ao local deve respeitar à trama de caminhos e
espaços públicos e comunitários que vêm sendo cotidianamente construídos
no local, tendo em vista os percursos, os espaços de lazer e recreação, de
jovens, crianças e idosos cujas escalas devemos nos ater com atenção.
Devido aos escassos espaços de habitação, as ruas são ocupadas como
lugares públicos e palco de encontros de pessoas de diferentes idades e
necessidades. Conforme concebia Carlos Nelson dos Santos (1980), a rua também
no nosso caso de estudo virou casa. Neste sentido, o traçado viário que
corta a área nos dois sentidos, transformando o local em lugar de passagem,
é uma estratégia viária que nega as peculiaridades assinaladas, tendendo a
desagregar os lugares construídos ao longo dos anos pela população local. E
mais, tende a aumentar o grau de periculosidade das ruas de acesso automotor,
mesmo que se implemente mecanismos que inibam a passagem de veículos. O que
questionamos é a natureza do traçado que se centra em uma estratégia
rodoviarista, privilegiando o veículo automotor e transformando a área em um
fragmento da cidade , enquanto meio e não um lugar prenhe de
significados históricos de uma população
que a duras penas conquistou o seu território, apesar das omissões de um
Estado que chegou tardiamente, defrontando-se com uma complexa e acumulada
problemática social, que hoje tenta resolver pelas vias institucionais, cuja
natureza social estamos analisando.
·
É
fundamental que o processo de reassentamento ou assentamento das populações
seja inclusivo, participativo e que possa haver uma interação entre o
trabalho institucional e técnico com a comunidade, de forma a haver um
processo efetivo de intercâmbio de experiências entre as partes. O saber
leigo e vivencial se entrecruza com o saber técnico na formulação de
soluções que qualifique o espaço em suas diferentes escalas e dimensões
sociais e territoriais.
·
Proporcionar
uma requalificação dos espaços comunitários, potencializando suas energias
que propiciam encontros, lazer e conforto ambiental. No entanto, os espaços
comunitários se revestem de uma particularidade cultural e social que não
deve ser confundida com outros espaços da cidade como os bairros de classe
média. O método e tratamento destes espaços comunitários exigem trabalhar
com a historicidade dos lugares, a origem cultural das pessoas, o estado de
carência de uma comunidade que opera com a solidariedade para sobreviver,
etc.
·
Uma
questão importante e que raras vezes é observada nos projetos de habitação
popular, é a atitude de projeto vinculada a uma consciência ambiental, o que
não só seria fundamental para a qualidade do espaço criado, mas sobretudo
para imprimir na mentalidade desta população atendida por estes programas
uma consciência ambiental e um comprometimento, que permitiriam, inclusive, a
geração de rendas para o próprio conjunto
[68]
.
·
Para
que se realizem as diretrizes acima explicitadas, deve-se desenvolver um
programa de paisagismo de forma a construir um tramado verde de proteção
ambiental que gere micro-climas em uma área tão árida, e também se
recupere o solo em sua fertilidade perdida. Devido ao processo de ocupação
desordenado ao longo dos anos, a área foi deteriorando-se rapidamente.
Também é necessário desenvolver programas de educação ambiental em uma
comunidade que, pela precariedade de seus espaços, se deseducou com o tempo,
ou se acostumou com a ausência de espaços qualificados arquitetônica e
paisagisticamente.
·
Levar
em conta a integração da comunidade à cidade, através de um sistema de transporte eficiente, e que atenda às
necessidades específicas da população envolvida no que diz respeito às
linhas urbanas de transporte coletivo. Para isso, é necessário que se
implementem linhas de transporte
coletivo intra-bairros de forma a criar permeabilidade de acessos às regiões
no entorno, diminuindo a dependência com o centro urbano de Florianópolis.
·
Integrar,
através de costuras com equipamentos serviços urbanos, os assentamentos com
a malha urbana da cidade, particularmente com o c. h. Panorama que, ao longo
dos anos, foi segregando-se do seu entorno, devido à insegurança e falta de
um trabalho de integração social entre as comunidades.
·
Desenvolver
o projeto arquitetônico e urbano, traçando paralelamente projetos de
atendimento à saúde e à educação. Este projeto arquitetônico deve
qualificar a área em termos arquitetônicos, revendo as tipologias empregadas
pelo programa habitacional do DDS/PMF, considerando os seguintes parâmetros:
a)
Flexibilidade
dos ambientes;
b)
Expansividade
modular;
c)
Variabilidade
programática;
d)
Combinar
espaços privados com semi-privados e semi-públicos, constituindo uma
combinatória tipológica que contemple as diferentes necessidades de
segurança, possibilidades de micro-encontros de vizinhança, etc;
e)
Inserir
espaços verdes intra-unidades, de forma a disseminar o tramado
verde-ambiental, estendendo o paisagismo dos espaços comunitários e
públicos para o espaço privado;
f)
Qualificação
estética das arquiteturas de forma a significar as culturas das comunidades
locais, seu imaginário, etc.
g)
Inserção
topográfica na área de forma a respeitar o sítio em suas ondulações e
conformação.
·
Planejamento
urbano integrado dos órgãos responsáveis pela produção de habitação
social e serviços públicos, com
acompanhamento no processo de pós-ocupação,
e balanço dos resultados obtidos em busca da melhoria da produção
habitacional de baixa renda
[69]
.
·
Implementar
mecanismos de geração de emprego que permitam a sustentabilidade desta
população na área, sem que venha a ocorrer a substituição desta
população, através da venda das habitações, com vistas ao incremento da
renda, ou mesmo, em períodos de crise econômica, quando o
desemprego é uma realidade sensível;
·
Traçar
programas de educação que busquem a qualificação
da população, objetivando inseri-la no mercado de trabalho. Estes pontos apresentam como uma conclusão aproximativa da pesquisa, como deveriam ser a atitude e o olhar que dirigem a ação social, entendendo-se este como um primeiro momento, na busca de uma atitude que responda à necessidade de trazer à legalidade a “cidade ilegal”, exercendo e levando à realização efetiva da cidadania, uma população às margens dos direitos civis e da cidade.
Florianópolis,
agosto de 2000.
Prof.
Dr. Lino Fernando Bragança Peres Responsável pelo Projeto de
Pesquisa
[1]
Como já assinalamos na pesquisa, antitético aqui nos referimos que a
política de erradicação é uma política de transferir moradores de uma
região sem consultá-los, antidemocrática portanto, e que tem se
caracterizado ao longo dos anos no Brasil, particularmente no regime
militar, conforme analisado por Peres (1994). Tem sido uma política
predatória da natureza, pois implementa conjuntos habitacionais sem estudo de impactos
ambientais e sociais, localizados em áreas insalubres geralmente de baixo
preço da terra e com implantação que desrespeita a história ambiental e
social do lugar, com obras que alteram bruscamente a topografia do terreno, etc.
[2] No que foi visto e analisado, tanto no processo de reurbanização quanto no de erradicação, independentemente de como sejam empreendidos, primeiramente deve-se enfocar o usuário a que se pretende atender, partindo-se de dentro de sua vida e necessidades para fora de seu contexto.
[3]
Com relação às ações aplicadas, verificamos que
as políticas adotadas para estas áreas são contraditórias apesar de
acontecerem em lugares vizinhos, e de possuírem contribuição das mesmas
instituições públicas, provando que não existe uma política séria e
organizada para a resolução da problemática habitacional. Ora apegou-se a
participação das comunidades na defesa de seus interesses e depois as
impõem soluções que não vão conseguir resolver o problema. Isto foi
comprovado pelas entrevistas, onde os moradores informaram que a COHAB havia
avisado aos mutuários inadimplentes que receberiam ordem de despejo caso
não pagassem as prestações em atraso. Esta análise, portanto, revela que a erradicação aqui estudada não
conseguiu resolver o problema enfrentado por aquela comunidade antes
localizada na Via Expressa e que, com certeza, estas pessoas sofreram
consequências psico-sociais como resultado de um processo de transferência
que não considerou suas necessidades sociais.
[4]
Não é por acaso de que está sendo veiculado este projeto amplamente na
campanha à reeleição da Prefeita Angela Amin. A mesma estratégia
utilizou o Prefeito Maluf (1988-1992) e recentemente por Pitta (1996-2000)
na sua política de construção de conjuntos habitacionais.
[5]
Esta é uma hipótese que vai se confirmando ao constatar junto às
famílias que o valor de R$ 30,00 a R$ 60,00, são incompatíveis com o
nível de renda dos moradores. Apesar de que houve um período de três
meses de carência para a primeira mensalidade, e que os residentes foram
informados na primeira assembléia de moradores há dois anos atrás, hoje
as famílias tendem a reagir a pagar estas taxas, apontando, segundo o que
prevemos, para uma inadimplência crescente.
[6]
Ver entrevistas realizadas (tópico Anexos - Entrevistas).
[7]
Como vimos na análise realizada no Chico Mendes (ver tópico Resultados -
Chico Mendes e Anexos - Entrevistas).
[8]
Panorama (1996-1998), Bela Vista IV (1997-1998) e Abraão (1998-1999).
[9]
A partir destas interfaces, formulamos as diretrizes de resolução dos
problemas examinados - ainda que parcial, em situações que exigem
transformações estruturais -, os quais assinalamos mais adiante no
presente texto.
[10]
No caso do Bela Vista IV, a pesquisa apontou que o tempo que as
pessoas levam para se locomover até o trabalho, ou aos lugares
necessários à
realização de
outras atividades como comércio, serviços, equipamentos de saúde,
educação e lazer, está sendo gasto em detrimento do tempo que deveria ser
dedicado à convivência entre os moradores, às relações de vizinhança,
aos assuntos comunitários
[11]
Depoimentos dos líderes comunitários do Panorama, em 1997.
[12]
Segundo análise que realizamos do Bela Vista IV (pesquisa de Luciane Boeno
e ver tópico Resultados - Bela Vista IV), este conjunto assemelha-se a um ilha, cercada de muros por todos os
lados, muros virtuais, pois a barreira real está no tráfego pesado e
constante de veículos e na difícil convivência com os conjuntos
construídos anteriormente, o Bela Vista I, II e III, compostos por
unidades unifamiliares e que se estabeleceram ali muitos anos antes. Nesta
época, o bairro inteiro mal era dotado de infra-estrutura básica, o qual
foi sendo conquistado a duras penas pelos primeiros moradores. Esta é uma
das causas da rivalidade entre os moradores das casas e os moradores dos
apartamentos, que possuem um certo “status” por causa disso. Há uma
segregação interna deste conjunto geral, provocada pela falta de sintonia
entre os projetos, pela despreocupação com os níveis de relação a serem
estabelecidos e principalmente por uma razão econômica. É inadmissível
pensar a moradia de interesse social solta, sem vínculos com o tecido já
existente e suas possíveis mudanças. No momento da implantação do Bela
Vista IV, não se realizou nenhum estudo de impacto entre a BR-101 e um
conjunto habitacional de alto adensamento, e que agora convive lado a lado com a duplicação desta rodovia a
todo vapor. Podemos comprovar no estudado conjunto as dificuldades que os usuários possuem para se ter acesso aos equipamentos e serviços urbanos, já que os hospitais, escolas e outros serviços essenciais de melhor qualidade se encontram no bairro do Estreito ou no centro de Florianópolis, fazendo-se sempre necessária a utilização da BR-101. Uma operação que deveria se dar em um nível de bairro que é o simples deslocamento de uma pessoa até a escola ou super mercado por exemplo, se torna uma operação que implica deslocamento pela BR ou área fora do local, gerando prejuízos aos dois sistemas, pois o usuário despende de muito tempo de locomoção e as vias de tráfego acabam congestionadas pelo excesso de veículos, provocando ainda outros males generalizados. No Conjunto Bela Vista IV, muitos se conhecem de vista, mas as atividades comunitárias se resumem a reuniões de condomínio que, segundo a síndica, são pouco freqüentadas. Não há nenhum tipo de preocupação relacionado à manutenção de vínculos adquiridos ao longo do tempo e que, por assim ser, caracteriza uma vida em comunidade. Basta ver que a crítica que se faz ao projeto do Bela Vista é aplicável à maioria dos conjuntos executados pela COHAB em qualquer parte do país, pois não há a participação do maior interessado: o usuário. Particularmente, como relação à nossa pesquisa, aplica-se ao estudo do c. h. Panorama que realizamos.
[13]
E este requisito foi exigido pelo órgão para a
liberação de verbas para a implementação do projeto “Bom Abrigo”, na
área do Chico Mendes, antigo Pasto do Gado.
[14]
Até inícios dos anos 90, as comunidades da
região, através do CAPROM (Centro de Apoio e Proteção ao Migrante),
mantinham uma organização muito forte como forma de evitar as expulsões
sempre iminentes. Com a gestão da Frente Popular, que propugnava o
orçamento participativo, as comunidades passaram a depositar no Estado (Prefeitura)
o atendimento de suas demandas, o que enfraqueceu a organização independente na
região. Esta avaliação alguns líderes na época fizeram como Ivone, Pe.
Wilson, Loureci e Elisa e o coordenador desta pesquisa (Peres, L.) que
ajudou na coordenação de uma pesquisa na área e no projeto de extensão
pela Universidade que objetivava, junto com os estudantes, o reassentamento das
famílias.
[15]
Como se pode comprovar nas atuais experiências de
gestão democrática de planejamento através de fóruns populares, como em
Porto Alegre, ou em Natal, RN, ou na gestão Erundina em São Paulo
(1992-1996).
[16]
Esta questão é polêmica entre o meio acadêmico
e técnico. É objeto de estudo. Há os que defendem a gratuidade direta e
há os que defendem o acesso à moradia de forma financiada, como propôs o
arq. João Maria Lopes, do DDS/Prefeitura para a área do Pasto do Gado.
[17]
Ver PERES, L. F. B. & CAMPOS, C. A.. A
construção das bases de um plano diretor alternativo para Ingleses Sul e
Santinho. Florianópolis,
ARQ/UFSC, junho de 2000.
[18]
Referimo-nos especificamente ao método investigativo de Karel Kosik em
Dialética do Concreto (1980), onde desenvolve o método da totalidade
concreta. Afirma que a realidade não é uma soma de partes, compreensão
que chama de pseudo-concreção. O autor apoia-se no método do materialismo
histórico e dialético, onde a realidade é vista como movimento de opostos
em conflito e baseado no movimento antitético do capital e trabalho em uma
sociedade capitalista de classes.
[19]
Este texto é parte da avaliação que os estudantes participantes da
pesquisa fizeram do seu processo de aprendizagem e formação científica
com esta experiência e parte das observações do coordenador do Projeto e
orientador da pesquisa. Os bolsistas fazem estas avaliações nos
relatórios de pesquisa por área de estudo (ver tópicos Relatório - Chico
Mendes, Panorama, Bela Vista IV e Novo Horizonte).
[20]
Esta experiência de pesquisa contribuiu para um
bom trabalho de graduação do bolsista Alexandre Matiello e que hoje cursa
o Mestrado em Ciências Sociais da UFSC. Segundo depoimento do estudante, os
dois anos de pesquisa o ajudaram muito no rendimento acadêmico da
pós-graduação. Também as alunas Maira Valle e Tania G. Araújo estão
desenvolvendo atualmente trabalhos de conclusão de curso e é muito clara a
desenvoltura que a pesquisa lhes propiciou naqueles trabalhos acadêmicos.
Como afirma Valle, permitindo solidez e confiabilidade, apoiado na pesquisa
científica.
[21]
Segundo Alexandre Matiello: “Muitas
pessoas, até mesmo alguns arquitetos, acreditam que a função do arquiteto na sociedade seria basicamente projetar e
construir casas, edifícios ou qualquer outro tipo de empreendimento pelo
qual recebessem muito bem em troca. Este tipo de pensamento diminui muito a
capacidade delegada a uma pessoa que passa pelo menos cinco anos de sua vida
nos bancos universitários para pensar o que é arquitetura. Caso fosse
somente construir, projetar para quem pode pagar seriam meramente técnicos
que não necessitariam de embasamentos teóricos para suas produções” (Relatório, ibid). A
função do arquiteto dentro da sociedade, afirma ainda Matiello, ainda mais num país de terceiro
mundo onde a questão habitar se torna artigo de luxo e não uma necessidade
básica, deve ir muito além, devem pensar como planejadores de cidades
nesta questão que articula todas as demais.
[22]
Este texto em seu conteúdo e forma partem do trabalho elaborado pelo
bolsista Alexandre Matiello, sob orientação do professor orientador e
coordenador da pesquisa, Lino F. B. Peres, na medida em que abarca a maior
parte dos aspectos gerais e específicos da problemática urbana e
habitacional estudada. As outras pesquisas desenvolvidas na área do Pasto
do Gado e em Bela Vista IV, que também neste caso foi um conjunto
habitacional localizado no município de São José, enriquecem e ampliam as
diretrizes assinaladas. Serão especificadas naqueles casos em que se tratar
do enfoque e método de tratamento para conjuntos habitacionais e quando se
tratar de assentamentos irregulares em processo de consolidação e
reurbanização.
[23]
Essa própria escala, em tempos de ideologia globalizante, é constituída,
quando não de uma fronteira bem elástica, sequer por limites consensuais
entre os pesquisadores.
[24]
Ações diretas seriam a própria forma de implantação de empreendimentos
turísticos, desrespeitando a natureza; já as ações indiretas seriam
aquelas implementadas para o estabelecimento destes empreendimentos, como
obras de infra-estrutura, como é o caso da discutida duplicação da
rodovia de acesso às praias do Norte da ilha.
[25]
Entendemos como Turismo Social aquele preocupado com a acessibilidade a
todos os níveis de usuários, especialmente aqueles que ficam à margem do
usofruto desta atividade por questões econômicas e sociais, como é o caso das
classes de baixa renda.
[26]
Com relação a esta questão, comentou-se na 1ª Oficina de
Desenho Urbano: “Em relação à cidade, especificamente, entende que não há
perspectiva de um projeto local sem uma perspectiva de projeto nacional.
Turismo exclusivo aqui é uma fantasia: esta é uma cidade complexa, o que
é atestado pela difusão da indústria de confecção e de alta tecnologia.
Daí a importância do planejamento das questões econômicas”.
(OFICINA..., 1996, p. 29)
[27]
Entenda-se que é mais que uma questão
fundiária de assentamento dos sem-terra.
Trata-se da criação de políticas de manutenção do homem no
campo, através, por exemplo, de
linhas de financiamento para compra de materiais e equipamentos, bem como
garantias de retorno com a produção.
[28]
O planejamento não pode mais estar limitado pelas barreiras da urbanidade,
mas abarcar os interstícios da cidade, estendendo-se às áreas não-urbanizadas, sob
risco destas virem a sê-lo sem planejamento.
[29]
Informação obtida junto ao Diário Catarinense de 04/09/93, cuja fonte é
a Câmara de Construção Civil da FIESC.
[30]
Achamos pertinente acrescentar que em entrevista realizada no setor
técnico da COHAB, foi-nos explicitada a relação que existe, apesar dos
processos de licitação, entre o poder político partidário e as chefias
de empreiteiras. Estas relações clientelistas acabam por comprometer a
qualidade das construções, sendo que inclusive fatores como a
assimilação de novas tecnologias
ficam por conta das empreiteiras, que tendem a utilizar as técnicas
tradicionais. Tudo isto colabora para que se efetive uma maior
participação, mais equilibrada e transparente, de agentes privados no âmbito da produção de habitação popular.
[31]
Regras internacionais de estandartização de produção e qualificação
ambiental, cujos critérios rigorosos tem cada vez mais internalizado os
custos sobre o meio ambiente, e resultam em um selo sobre o produto que
cumpre tais regras.
[32]
Conforme inclusive experiências pregressas da formação disciplinar
acadêmica do pesquisador-bolsista, além do novo olhar a partir da postura
científica da pesquisa.
[33]
Entendemos a questão da segregação urbana com três faces: 1) como
fruto da natureza capitalista, cujo sistema fomenta situações
excludentes dentro da política da oferta e procura; 2) processo mais
nítido na atualidade, de auto-segregação das comunidades, como é o exemplo dos enclaves
constituídos pelos condomínios fechados dos setores de médios e altos
recursos; e 3) incompetência gestiva que gera situações onde, somado à
ideologia segregadora, o planejamento não é capaz de promover uma cidade
para todos.
[34]
Ver SUGAI (1994).
[35]
Fruto de uma política cujo auge se deu nos anos 80 - política rodoviarista -
tendo a expansão da estrada como sinônimo de progresso.
[36]
É interessante o fato de que o mapa de usos do Plano Diretor do Município
de Florianópolis apresenta como AVL – Área Verde de Lazer – muitas das
áreas que na prática são canteiros centrais de avenidas muito largas,
praticamente inacessíveis e desqualificados, mas que se somam às áreas
verdes propagandeadas pelas gestões municipais. [37] Conforme entrevista realizada junto ao Setor Técnico de projetos da COHAB estadual, verificou-se que apesar de serem expedidos pela FATMA relatórios que viabilizam a concretização dos projetos, percebeu-se que não há sintonia entre os planejadores e o instrumento Avaliação de Impacto Ambiental - AIA - (ver SANCHES, 1991). Os projetos são concebidos alheios a possibilidades de potencialização de recursos (córregos de água, topografia acidentada, resquícios de mata nativa), em geral sendo aprovados, mas desconsiderando a relação mais intensa que poderiam ter com o meio. Esta ressalva que aqui fazemos é para alertar que, em geral, até o papel de arquiteto questionador da realidade deixa de ser exercido pelos planejadores. Embora apoiemos as políticas ambientalistas, deve haver o questionamento da forma de implantação de novos assentamentos de forma compatível e adequada ao meio.
[38]
Neste aspecto, embora as tendências das novas políticas habitacionais
tenham apontado nesta direção ultimamente, é
necessário deixar claro a postura de
não se relocar os assentamentos espontâneos. A periferização é um dos itens que mais compõe o
estado de precariedade dos assentamentos. Além disso, as comunidades já
consolidaram, em geral, laços de solidariedade e vizinhança que
dificilmente se reconstituirão em outro locus.
[39]
Dentre as sugestões aqui citadas, algumas já foram verificadas em termos
de experiências concretas, como por exemplo, a releitura da linguagem “caótica” da favela para tipologias
de um novo assentamento, adoção da característica de vila para
assentamento inserido em bairro já existente (ambas no Rio de Janeiro) e
locação de famílias em arquitetura de valor histórico
(Olinda – PE). [40] Ver Diário Catarinense de 04/05/93 e 07/12/93.
[41]
Diariamente trafegam 180.000 veículos pelas ruas da capital. Nas
horas de rush, chegam a circular
ao mesmo tempo 21.600 veículos. Destes, 80% (17.280) são veículos que
estão transportando apenas 1 passageiro (dados do Informativo do
Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros da Grande
Florianópolis, In: Plataforma
Zero., no 1, abril/98). [42] Em São Paulo, implementou-se o sistema de rodízio por placas de carro, levando o usuário de carro particular a utilizar transporte coletivo em alguns dias da semana.
[43]
Sobre isto, Nabil Bonduki comenta: “O
massivo investimento no transporte coletivo é essencial para reverter uma
prática que já virou tradição nacional: o privilégio à circulação do
automóvel.” , e ainda “
A priorização do transporte coletivo, tornando-o uma alternativa para a
classe média usuária do automóvel, além de significar a única solução
para os problemas do trânsito, representa uma efetiva socialização dos
investimentos públicos, posto que obras destinadas exclusivamente aos
automóveis beneficiam uma parcela minoritária da população”.
(BONDUKI, 1996, p. 267). Já existe na capital a iniciativa do transporte
executivo, que no entanto, ainda não tem sido suficientemente “assimilado”
enquanto alternativa para a classe média possuidora de carro. Apontamos que
não é só uma questão de oferta de trajetos ou qualidade dos serviços
(nos micro-ônibus executivos existentes há TV e ar-condicionado). A
mudança de comportamento passa ainda por uma mudança de consciência.
[44]
Neste âmbito, é importante
colocar as questões que vem sendo levantadas na escola acerca do impacto
destes empreendimentos, em análises
e propostas das disciplinas de planejamento.
[45]
São estes trabalhos: Estreito entre
terra e mar: em direção a um reencontro
(trabalho de graduação de Joana Karla da Rosa, 1997) e os trabalhos
da disciplina de Planejamento Arquitetônico IX, do semestre 96.2, dos que
se destacam o de Adriano Scarabelot.
[46]
O que se vem verificando é um processo de “re-periferização”, que tem
levado a usos de grande porte (como é o caso do BIG SHOP) para a rodovia,
privilegiada por ser lugar de passagem, em detrimento das comunidades mais
carentes da redondeza, que não têm acesso ao nível de serviços
oferecidos, por se destinar a uma clientela de recursos mais altos, o que
contribui mais ainda para a segregação.
[47]
Esta proposta foi desenvolvida na disciplina de Planejamento Arquitetônico
IX em 1986, particularmente pelo acadêmico Adriano Scarabelot.
[48]
Esta perspectiva tem sido enfatizada especialmente
nas disciplinas de Urbanismo CCAU/ UFSC, que cada vez mais apontam para a
complexidade da problemática urbana e da necessidade de
se transcender o próprio campo do planejamento urbano para o
planejamento social e econômico, bem como ambiental ao se pensar os rumos
da cidade.
[49]
O estudo do déficit merece atenção especial, percebida principalmente
pela revisão hemerográfica empreendida, que mostrou através do tempo
sobre o qual se pesquisou, a variabilidade das fontes consideradas por cada
gestão (de nível Federal, Estadual e Municipal) com relação à
habitação. Frisamos acima o caráter ideológico desta situação, mas
queremos particularmente apontar para a necessidade
de se definir critérios mais claros do que se considera “déficit”.
Até mesmo pela postura que nossa pesquisa foi tomando, percebemos que a
questão habitacional é muito relacionada a outros âmbitos das políticas
urbanas. Não podemos falar de déficit pensando apenas na ausência de casa
própria. Deve-se incluir a deficiência da já existente, não só no
nível da edificação, mas, em uma primeira instância,
dos serviços públicos básicos como saneamento, acessibilidade,
comércio vicinal; e numa segunda instância, proximidade de empregos,
serviços mais especializados, etc. O déficit deve ser algo bem mais
pormenorizado, e sobretudo, não abarcando tudo sobre um único número na
casa dos milhões que mascare a realidade e em nada subsidie os órgãos
responsáveis na concreta resolução dos problemas. Apresenta-se como
motivo para a insipiência destes números a dificuldade de se empreender
pesquisa criteriosa. Mas, sabemos que a pesquisa censitária empreendida
pelo IBGE é suficientemente criteriosa para fornecer informações que
compusessem um panorama mais rico da questão habitacional. No entanto, por
motivos dito como sigilosos, informações da escala de bairro são negadas
até mesmo para os institutos de planejamento,
o que nos faz questionar o porquê de serem recolhidos se não
contribuem em nada para que haja uma mudança na ordem social. Não
lançamos diretrizes neste âmbito, mas deixamos aqui esta crítica para que
sirva de alerta para aqueles que podem efetivamente intervir nesta
situação instaurada.
[50]
A expansão urbana deve ser tratada não só em seu aspecto demográfico
de aumento do contingente das populações, mas em sua forma desregrada
com que vem se dando o crescimento dos municípios do Aglomerado Urbano de
Florianópolis. Apontamos para a ligação polar que existe entre a Ilha e o
Continente, resultado de uma dependência que implica em problemas como a
dificuldade de deslocamentos onde a ilha serve de um
modo geral, como lugar de emprego e prestação de serviços, e as
áreas continentais como lugar
de dormitório. A falta de uma política de
desenvolvimento adequado para a região faz com que estas dependências se
acentuem, agravando os problemas urbanos de oferta de recursos, deslocamento
das populações, dificuldade de criação de
empregos, periferização/segregação dos assentamentos, e “inchamento”
da malha urbana em direção de áreas ambientalmente frágeis: manguezais,
encostas, fundos de vale. As perspectivas
mais recentes de eco-desenvolvimento alertam que é justamente no âmbito da
municipalidade e adjacências que as atitudes de ordem transformadora têm
chance de sucesso, ainda mais dentro de uma postura integradora, tão
contrastante com atual dissociação entre as decisões de ordem
administrativa que se contempla.
[51]
Iniciativa semelhante se vê nas Ruas da Cidadania e Farol do Saber
em Curitiba, que em edificações dentro dos bairros da cidade, possibilitam
aos moradores acesso a bens e serviços que só se encontravam no centro da
cidade, diminuindo assim as dependências entre a periferia e o centro
urbano, além de serem elementos arquitetônicos de destaque que
possibilitam a identificação dos bairros.
[52]
Junto às experiências
relatadas em BONDUKI (1996), a participação do Estado, principalmente no
âmbito federal, tem sido cada vez mais indireta senão nula. Este, enquanto
poder central, tem deixado de exercer poder homogenizador na formulação de
políticas públicas. Isto decorre do princípio que em uma ótica de
desenvolvimento sustentável, a descentralização é peça chave para uma
maior participação democrática das populações, e quando há
interferência do Estado, esta se dá em sua esfera municipal. Esta prática descentralizadora também permite que surjam
soluções mais específicas, e portanto, adaptadas às realidades do
lugar.
[53]
Conforme verificado em BONDUKI (1996), experiências cujos
princípios se assemelham aos citados acima tiveram êxito e reconhecimento
internacional, como o plano ZEIS (Zonas de Especiais de Interesse Social) em
Fortaleza, acompanhado por assessoramento de ONG que transcendeu o problema
da descontinuidade de gestão: “O
desenvolvimento das novas formas de gestão, através da parceria do poder
público com organizações não-governamentais, tem sido adotado numa
perspectiva de criar uma terceira via na polarização que o neoliberalismo
estabeleceu entre a estatização – cujos objetivos de lucros são
incompatíveis com políticas sociais: a gestão pública não-estatal.
Nesta alternativa combina-se o caráter público, social e não lucrativo da
ação governamental com a agilidade e eficiência que a gestão privada
possibilita, garantindo melhores resultados em termos de qualidade e baixo
custo”. (p. 265) (sublinhado nosso). Ermínia Maricato, que também
relata as experiências na Prefeitura de São Paulo, fala que além das
organizações, outros poderão compor um grupo de atores chaves:
sindicatos, associações de moradores, universidades (MARICATO apud BONDUKI).
[54]
Cabe ressaltar, que no âmbito político-ideológico, as práticas de
planejamento participativo têm transcendido a polarização
esquerda-direita, tendo se aplicado em setores e escalas dos mais diversos,
como o planejamento de setores administrativos de empresas, escolas. No
âmbito da gestão da cidade, o planejamento participativo está associado,
ou pelo menos deveria, mais a uma ótica da sustentabilidade do que necessariamente à ideais partidários.
[55]
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO. SECRETARIA DE POLÍTICA URBANA.
Política Nacional da Habitação, 1996.
[56]
Os programas devem cada vez mais contemplar as áreas de infra-estrutura
urbana, estendendo os recursos para a adequação dos assentamentos à
urbanidade em termos de saneamento, pavimentação, bem como de serviços
como educação, saúde e lazer, os quais são muitas vezes desconsiderados.
A integração entre as políticas habitacionais e
as políticas sociais e urbanas mostra aqui uma interface, no momento
em que se verifica a necessidade de, além de providenciar a estrutura acima
citada, também se ofereça ao mutuário facilidades de deslocamento dentro
da cidade, principalmente com relação à relação com o lugar de emprego
(sociais), evitando a monofuncionalidade e aproximando o emprego de onde moram
os trabalhadores, ou vice-versa (urbanas).
[57]
Que estes fundos sirvam principalmente para aquisição de lotes urbanos
qualificados em termos de infra-estrutura, bem como para fins de
desapropriação de terrenos ociosos e negociação daqueles cujo potencial
para a habitação sejam intrínsecos, mas que estejam sob posse do capital
privado.
[58]
Essas tecnologias podem estar associadas a práticas de autogestão que
englobem a auto-construção e mutirão, implicando em economia para o
mutuário, bem como na formação de laços da futura comunidade.
[59]
A construção de conjuntos menores facilitaria
a gestão sob forma de condomínio, bem como o fortalecimento de
laços de solidariedade comunitária e despertar de lideranças,
encaminhado-se para a auto-gestão.
[60]
Os benefícios trazidos pela consideração deste aspecto são dois:
ao se possibilitar que a unidade residencial abrigue também espaço para
uma atividade lucrativa, não só se fomenta a vivacidade e riqueza das
relações nos assentamentos através de uma plurifuncionalidade, bem como
se permite que a atividade que ali se realize sirva de acréscimo à renda
do mutuário ou mesmo como renda total, garantindo-lhe certa estabilidade
financeira, e por conseguinte, colaborando para que os índices de
inadimplência junto ao financiador não aumentem.
[61]
Conforme observado no trabalho de campo junto ao Conjunto Panorama, a
necessidade de comércio vicinal é tão importante, que ao longo dos anos,
as cercanias do conjunto foram mudando o seu aspecto, agregando ao uso
residencial pequenos estabelecimentos (comércio e serviços) ou
transformando-se radicalmente. No entanto, é nítido o contraste com o
interior do conjunto, com uma imensa massa construída onde predomina 100% o
uso residencial (ver mapa de usos no tópico Resultados - Panorama).
[62]
Embora a adequação se dará mais a este e a outros padrões apenas
pela flexibilização que seja possível na unidade, é interessante que os
núcleos originais apresentem algumas características que de antemão
(através de pesquisa), se saiba serem fundamentais, como a tendência a se
querer maior porcentagem de área para cozinha, por exemplo.
[63]
Verificou-se através de entrevista junto aos moradores do Conjunto
Panorama que embora exista vontade e necessidade de se abrir um “negocio
doméstico”, a tipologia (multifamiliar e vertical)
não colabora e até impede. Na interface com o Sub-Projeto 3 (Apropriação), que
desenvolveu pesquisa nos conjuntos unifamiliares Bela Vista I, II e III, verificou-se como era comum a
presença de pequenos usos (cabeleireira, lanchonete, consertos em
geral, costureira) junto àquelas residências.
Na tipologia vertical e multifamiliar como no Conjunto Panorama, as
barreiras são: 1) as unidades não tem acesso direto ao espaço público
(ruas); 2) não há possibilidade de aumentar a área útil, 3) os cômodos
são pequenos e o uso distinto do residencial acaba por gerar conflitos.
[64]
Em Florianópolis, a legislação de bombeiros causa entraves à inovação
tipológica (relato da arquiteta entrevistada na COHAB). Em caso de
tipologias verticais em fita, buscando aproveitar melhor o solo, eliminando
recuos desnecessários, o Corpo de Bombeiros exige estrutura de segurança
compatível com a área. Desta forma há um encarecimento da habitação
(que é de caráter popular!), que não compensa a mudança tipológica. A
administração dos conjuntos aparece como preocupação dos técnicos no
sentido em que, no caso da exigência de instalação da gás central, a
gestão condominial encontraria dificuldades. Há problemas constantes de
inadimplência das mensalidades, que seriam agravados se a gestão tivesse
que arcar com os custos de gás daqueles condôminos inadimplentes. É o que
já acontece com o consumo de água, o qual não possui registro
individualizado, obrigando a manobras contábeis da administração para
que não haja cortes que prejudiquem os que pagam em dia. Neste sentido,
sugerimos que, assimilando a tecnologia da válvula sanitária
individualizada (e não mais a caixa embutida com cano vertical único que
impedia registro individualizado), possa também agora permitir a
individualização dos registros nos novos conjuntos. Este gasto, que de início pode ser caro, tem compensações futuras. Alertamos aqui que muitos
fatores de ordem projetual (concepções, materiais, técnicas), acabam ao
longo do tempo (verificação pós-ocupação no conjunto Panorama), se
tornando em entraves para os síndicos.
[65]
Na interface com o Sub-Projeto 2
“Participação do usuário na escolha e projeto de sua habitação
através de módulo multimídia”, apontamos que se alguns fatores
fossem submetidos à escolha do usuário (preferência por revestimentos,
por exemplo), ainda mais se fomentaria este espírito de zelo.
[66]
Hoje em dia, conforme avaliado em entrevista, as crianças menores
acabam brincando nos corredores internos dos blocos, pois, principalmente
para os blocos cujo acesso se dá pelo exterior do conjunto, a área de
lazer fica distante.
[67]
Estas diretrizes são o conjunto de indicações
tiradas a partir das pesquisas de Araújo & Lima (Chico Mendes,
1998-2000) e Valle (Novo Horizonte, 1998-2000).
[68]
Houve uma tentativa neste sentido através do
projeto “Beija Flor”, a partir de inícios da década de 90 (em algumas
comunidades, inclusive o Novo Horizonte), o qual, mais tarde, foi
abandonado. Mas, a falta de êxito se deve
à pouca importância e às atitudes com que o Governo tratava a
questão.
[69]
Esta experiência não tem sido observada em
nenhuma linha de ação do governo, que entrega as obras e muitas vezes não
conhece o seu produto. Acaba-se, apenas, computando números e
estatísticas, visando a auto-promoção e a propaganda eleitoral, ao invés
de se considerar e desenvolver um processo de avaliação da qualidade e a
validade das intervenções. [70]Este é um método utilizado por administrações do Partido dos Trabalhadores nas cidades onde tem governado, como as três últimas gestões do PT em Porto Alegre, a gestão Erundina em São Paulo (1992-96) e outras. Este método de gestão e outros implementados por outros partidos, que buscam desenvolver o planejamento governamental com participação popular, são exemplos a serem estudados.
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