Principal Panorama Bela Vista IV Chico Mendes Novo Horizonte

 

 

Políticas

Chico Mendes

 

Introdução

 

Os resultados, aqui expostos, apresentam uma análise da questão habitacional em sua prática  política, na realidade específica do assentamento Chico Mendes, em um estudo que segue o eixo comparativo  erradicação x reurbanização.

A questão da habitação tem perseguido de longe os índices de carência habitacional, os quais no contexto nacional  apresentam um índice de 5,5 milhões de moradias (Instituto Cidadania\2000). Isso sem contar as carências no atendimento de serviços públicos e de infra-estrutura urbana.

O  estudo de caso em Florianópolis veio se desenvolvendo, a partir de setembro de 1998, até o presente momento, discutindo e enfocando esta problemática, no âmbito das políticas públicas desenvolvidas ali, na área tradicionalmente conhecida como “Pasto do Gado”.

Neste período, em que aquele espaço foi estudado, houve o acompanhamento da transformação física que o mesmo vem sofrendo, através de uma intervenção com o objetivo de regularização fundiária e urbana da antiga ocupação irregular. As ações e interações da Prefeitura, bem como  Prefeitura-comunidade, foram observadas desde as primeiras negociações até o período efetivo de inserção dos novos elementos habitacionais que vêm modificando profundamente a imagem e a identidade da comunidade. A comunidade Chico Mendes, assim, é observada como fruto de uma postura de atuação política  e esta atuação aparece como a construção de um pensamento que reproduz a imagem da produção de habitação social na realidade de Florianópolis.

   

 

1. Reflexões e posturas diante do objeto em estudo

 

O estudo desenvolvido permitiu algumas reflexões por parte da bolsista, que o encarou tanto pelo lado objetivo-científico, quanto pelo lado subjetivo, no processo de apreensão da realidade, do que resultaram algumas discussões sobre a cidade e o habitar.

Assim, permitiu-se incluir, como parte da produção, estes ensaios e reflexões que se apresentam ao longo deste estudo.  

 

 

2. A cidade e suas ( hi/estórias: o homem, a casa e a cidade)

 

A cidade como um todo é fruto do pensar, é o "grande teatro"  da lógica de acumulação capitalista que dirige as relações dentro do ambiente urbano e que organiza roteiros cenários e tomadas do grande ato que se desenvolve na mesma, sendo configurada conforme se desenvolve a história.

 

 

2.1. História do homem, história da casa e a história da cidade

 

A história da cidade aparece a partir das relações de interesse do homem político que decide e intervem sobre o espaço legislando-o e transformando-o. O falar e o calar influenciam a construção  do espaço,  que se conforma na medida em que as relações humanas no espaço se desenrolam. Nessa lógica, a história do homem passa a ser a história da habitação - casa e por extensão da habitação-cidade.

A partir desta ilustração,  é possível  compreender que a problemática  urbana não é um fenômeno isolado;  ou seja, uma questão é passível de ser pensada como uma problemática da urbanidade local sem considerar o urbano como um todo e as relações humanas dentro deste todo.

A problemática da habitação apresenta suas raízes na estrutura das relações humanas em todos os seus aspectos, considerando-se o sistema de produção em que vivemos, onde há interesses de classe e de geração de capital às custas de uma mão-de-obra barata;  isto é,  o lema capitalista vigora em todos os cenários:  maior  lucro pelo menor custo, a qualquer custo.  Este processo nos leva para bem longe das preocupações humanistas e sociais, mesmo quando a questão ética entra neste cenário. O produto disto é a cidade que conhecemos hoje com seus invisíveis muros marginalizantes que separam luxo e lixo, separam cidade legal e cidade ilegal.

Aliás o grande paradoxo se resume numa palavra: ilegalidade,  enquanto  fruto da cidade "legal".

       Este primeiro texto ensaístico reflete um pouco a visão da cidade e do espaço. Surge em face ao primeiro contato com a área e o choque classe média  x classe  baixa.                                           

 

 

2.2. Florianópolis e suas ocupações

 

            A ocupação periférica observada em Florianópolis consta não apenas do espaço urbano da Florianópolis Ilha-Continente, mas abrange uma série de municípios que praticamente se conurbam com Florianópolis e, por sua proximidade à cidade, muitas vezes acabam se tornando alternativas mais acessíveis (preço mais baixo da terra urbana e aluguéis) de se “entrar" na cidade para habitar ou, pelo menos,  de se ter acesso ao espaço urbano.

O fluxo migratório em direção à capital, é fruto, principalmente, do incremento do êxodo rural, ocasionando a ocupação tanto do espaço da "cidade ilegal", seja solo legal público ou particular,  uma vez que o espaço urbano com o alto valor dos terrenos e aluguéis, bem como a falta de programas habitacionais para este tipo de população, não permitem que a mesma faça mais do que bater à porta da cidade como não há quem "abra a porta",  restando apenas uma alternativa: "forçar as portas".

            O crescimento das áreas carentes acompanhou o processo de urbanização ocorrido no estado de Santa Catarina e do crescimento de Florianópolis.

            Em torno do Aglomerado Urbano de Florianópolis, há quase um vazio econômico, onde as lavouras rotineiras e poucas empresas, possuem relações de fluxos econômicos com a capital.  Por isso, a população dessa área tende a aumentar em decorrência das correntes migratórias, quer em função de uma certa estagnação econômica da região, quer em função da atração exercida pela própria capital sobre as populações rurais e urbanas.

O crescimento de Florianópolis é induzido, segundo Almeida (1982) "de fora para dentro", não sendo produto de atividades internas geradoras de riqueza e de empregos. No entanto, a partir de Florianópolis, difunde-se o crescimento urbano sobre as cidades do aglomerado, de forma seletiva, hierarquizando-as. A base em que se assenta a economia da cidade está no setor terciário e principalmente nas repartições públicas.

A expansão urbana se processa a partir da capital, atingindo o espaço regional, o qual não possui um pólo regional, devido à ausência de atividades econômicas significativas.

Conforme ainda Almeida (ibid), a micro-região de Florianópolis corresponde  a uma estruturação espacial de municípios contíguos ou econômicos comuns e pouco associados economicamente a Florianópolis, sendo o processo de crescimento econômico de cada um deles desequilibrado e desordenado.

Segundo dados do Censo de  80, 50% dos migrantes pertencem às classes de baixa renda, sendo que a maior parte dos fluxos de migração tradicional rural-urbano e urbano-urbano, fixam-se grandemente nos Municípios do Aglomerado Urbano de Florianópolis. Almeida (ibid) afirma que  "nas áreas continentais localizam-se 61% da população pobre de Florianópolis atraída pelos fatores como baixo preço da terra, localização de serviços de separação-armazenagem, abastecimento e pequenos estabelecimentos industriais, há uma tendência de ocupação em torno da BR 101, na sua parte mais periférica."

            Especificamente, a área de estudo situa-se dentro deste contexto, ocupando irregularmente o espaço, em pequenos terrenos sem títulos de terra, sendo a maioria oriunda do interior do estado e ex-pescadores ilhéus.

A gênese da problemática da falta de terras urbanas se baseia nos fatores de valorização vinculados à propriedade territorial-imobiliária  que veio a marcar a estrutura urbana de Florianópolis em seu aspecto físico-imobiliário especialmente no que se refere à apropriação imobiliária nas praias, o que determinou a periferização dos projetos habitacionais: estas áreas de balneários eram valorizadas o bastante para serem ocupadas com projetos sociais. Vários fatores podem ser considerados como geradores dessa periferização, que apresenta sua origem na inexistência de uma política agrária e reforma urbana. A primeira origem é a área rural, as periferias das cidades do interior e da própria área urbana do Município. Esta população vem para o meio urbano com expectativas de melhorar sua situação,  mas, sem capacitação profissional, acaba tendo dificuldades de arrumar emprego na capital.

 

 

2.3.  Florianópolis  e suas questões urbano habitacionais -  a cidade (i)legal

 

Florianópolis apresenta a realidade da problemática do espaço urbano, frente à exploração da terra pelos interesses imobiliários e privados, sem que a gestão do espaço reflita a terra como valor de cidadania e qualidade de vida, mas como valor multiplicativo do capital privado, na exploração imobiliária e turística de maneira até inconsciente, inescrupulosa e que desconsidera, na maioria das vezes, os impactos ambientais e suas conseqüências.

Considerando que a questão urbano-habitacional   e suas carências envolvem a cidade como um todo, ainda que se concentrem em pontos específicos da mesma, tem-se, a priori, que os efeitos conseqüentes das problemáticas destes pontos afetam o conjunto da cidade, com falta de qualidade de vida em todos os níveis.  Em paralelo e neste mesmo raciocínio, também o efeito da valorização da terra ou qualquer benesse, em qualquer ponto da cidade, terá seus efeitos nas demais áreas.

Assim, na medida em que se entende este efeito de "onda" a propagar-se no espaço urbano, em qualquer aspecto do mesmo, percebe-se a importância e gravidade das direções tomadas no desenvolvimento (ou não) das políticas urbanas.

É importante que se observe isto na medida em que se estuda as políticas públicas no âmbito da habitação popular, na busca de soluções não apenas paliativas para uma questão profundamente arraigada ao processo histórico de formação e desenvolvimento das cidades, especialmente no contexto de Santa Catarina e mais especificamente Florianópolis.

Portanto, o perfil avaliado nas comunidades Chico Mendes e Nossa Senhora da Glória, mesmo tendo um processo histórico e específico de formação, acaba se refletindo (num plano mais geral) como amostra das realidades na questão da habitação popular brasileira.

Como encarar a habitação popular?

O estudo desenvolvido refletiu este aspecto a partir das políticas até então adotadas, na busca de diretrizes coerentes com a realidade-objeto de estudo.

 

 

2.4.           Perfil das áreas carentes

 

O quadro das áreas carentes de Florianópolis é bastante rico e, em alguns aspectos, bastante diverso no que se refere ao acompanhamento social, processo de regularização fundiária, etc. Mas, alguns aspectos são comuns no que se procurará apresentar aqui.

As áreas carentes de Florianópolis estão localizadas em sua maioria, próximas à área central e/ou cerca ao centro de bairro. Segundo o CAPROM, há 60 áreas carentes ou assentamentos de população de baixa renda em Florianópolis. Havia 46 áreas carentes registradas no levantamento feito pelo IPUF, em 1993, sendo 28, na Ilha e 18, no continente. No continente, a ocupação se deu em áreas onde a topografia se apresenta mais problemática (fundo de vale), mas também em áreas próximas da centralidade de bairro.

Todas as áreas carentes têm um acesso principal, geralmente pavimentado, com vias de acesso interno não pavimentadas e fora das normas técnicas estabelecidas.

Na área continental, a maioria das áreas carentes está localizada próxima à Via Expressa (282). As altitudes variam de 10 a 95 metros em média, e situam-se entre as cotas 20 a 50 metros.  As declividades são predominantemente medianas e algumas áreas estão situadas em fundo de vale.

Existe, também , uma área plana, próxima ao mar, e que sofre influência das marés. A vegetação é quase inexistente, limitando-se  à vegetação de fundo de quintal. Associado aos granitos nas encostas, ocorrem rochas de origem basáltica, algumas vezes preenchendo falhamentos, alguns de grande porte, que dão origem a solos residuais de diabásio e colúvios de matriz argilosa. Estes terrenos são naturalmente instáveis pelas características inerentes ao material e pela presença de argilas expansivas.

 

 

2.4.1.     Situação geral da área em estudo

 

O objeto de estudo – área situada no bairro Monte Cristo e que compreende as ocupações do Chico Mendes, Nossa Senhora da Glória e Novo Horizonte – situa-se no limite entre os municípios de Florianópolis e São José, próximo ao Kobrassol, que  se constitui em uma centralidade local de importância, destacando-se dentre as áreas continentais, especialmente no que se refere à infra-estrutura urbana.

A localização dá-se, portanto, na parte continental, na margem direita da BR 282, próximo ao viaduto da rua Josué Di Bernardi e o Conjunto Habitacional Panorama, sendo de fácil acessibilidade.

O sistema de transporte urbano atende à área de maneira satisfatória, estando a mesma situada em ponto estratégico, onde há a confluência de várias linhas de ônibus.

Apesar disto, é importante salientar aqui, como lembra Matiello (1996-98), em sua pesquisa no estudo  do conjunto Panorama (ver tópico Resultados - Panorama), vizinho da comunidade Chico Mendes, que  a conexão e acessibilidade se dá com a ilha e com São José, sendo que a ligação continental, em relação ao Estreito, é precária.

O ônibus como meio de transporte público é o mais utilizado pela população, não sendo possível deixar de se considerar o uso do carro, em alguns casos.

 

 

2.4.2. Análise morfológica

 

Entendeu-se desde o início da pesquisa, a importância de se conhecer a realidade do espaço físico sobre o qual ocorreu a ocupação, na busca de se entender as problemáticas que as características físicas naturais geraram e/ou sofreram com a ocupação.

Assim, apresenta-se aqui, um breve perfil e alguns comentários sobre a área. O espaço da ocupação é uma encosta de morro, muito embora suas características naturais tenham sido bastante alteradas desde 1978 (ver tópico Anexos - Evolução Urbana).

O morro foi recortado e planificado em três níveis sendo que a imagem do terrapleno feito, chega a ser uma agressão visual, desconsiderando-se totalmente a resultante de caráter ambiental.

Sobre este terrapleno, árido e desprovido de vegetação, instalou-se uma população migrante em busca de espaço na cidade. A partir da ocupação, a própria instalação da comunidade modificou o relevo já modificado pelo terrapleno, suavizando o recorde que então fora feito. O  grande vazio do terrapleno, que se fez para a implantação de um novo estádio de futebol, nunca foi justificado, uma vez que o mesmo não se concretizou, vindo, mais tarde, a ser preenchido pela comunidade [1] .

A questão da vegetação é uma lacuna naquele espaço, pois o terreno já “limpo” para dar lugar  a pastagens, visto que o conhecido “Pasto do Gado, destinava-se a esta finalidade, fora mais tarde completamente arrasado pelo terrapleno e a ocupação subseqüente não trouxe a reconstituição vegetal. Embora a população que veio, em sua maioria, ser de origem rural, não tinha meios de pensar em qualidade ambiental,  quando  a necessidade premente era assegurar a terra e sobretudo a legalização de uma posse, que dia após dia era uma incerteza e uma luta.

Com a estabilização da ocupação, aos poucos foi surgindo alguma vegetação de fundo de quintal, o que no contexto geral, é quase desprezível. Isto até o momento presente é o que se refere à situação ambiental, havendo dentro da proposta de reurbanização um projeto ambiental paisagístico do DDS/Prefeitura que busca sanar esta deficiência, embora surja apenas como um paliativo para a questão [2] .

 

 

2.4.3.  A ocupação: um breve histórico da luta pela permanência na região

 

Historicamente, as  áreas do objeto de estudo, Chico Mendes, Nossa Senhora da Glória, Novo Horizonte e Via Expressa, ocuparam a área do chamado “Pasto do Gado”, que anteriormente era utilizada para pasto de gado, sendo confiscada de seu proprietário pelo Estado pelo acúmulo de impostos atrasados.  Uma vez passada às mãos do Estado, primeiramente, este espaço destinava-se à construção do Estádio do Figueirense, sendo, logo mais, a propriedade de  terra transferida para as mãos da COHAB, devido a problemas políticos ocorridos .  A  COHAB,  no final da década de 70 e início de 80, desenvolveu para a área um projeto de implantação de um grande conjunto habitacional, o Conjunto Habitacional Panorama, implantado na  região chamada “Pasto do Gado”, embora já tivesse se instalado a crise do sistema SFH-BNH. O Panorama constituía-se  inicialmente de três etapas, das quais, apenas uma viu-se concluída, devido à crise no sistema de financiamento e a conseqüente retração dos créditos. A interrupção da construção do conjunto e a falta de opções de moradia somada à pauperização da população e aos fluxos migratórios, acabaram refletindo na ocupação daquele espaço, então ocioso, pelos assentamentos irregulares, o que bloqueou desde então qualquer possibilidade de conclusão do projeto (avaliação de PERES, 1994, cap.  6 ). O primeiro assentamento, o Chico Mendes, surgiu  em torno da década de 80, estando já nesta época instalada a comunidade  Nossa Senhora da Glória, desde 1975. Seguindo-se a ocupação do Chico Mendes que foi a maior delas, vieram as outras, e todas, embora tenham ocorrido em momentos históricos diferentes, vêm sempre refletindo o processo de urbanização de Florianópolis que se percebeu no crescimento destas comunidades e na dinâmica da ocupação:  uma ocupação tem seguido a outra.

A população,  em sua maior parte, é originária do interior do Estado, mais precisamente  do planalto serrano, sendo que o início da ocupação ocorreu em torno dos anos 80. A partir de então, inúmeras lutas se travaram até o processo de estabilização da comunidade ser iniciado, uma vez que a disputa da terra pela Prefeitura - proprietária das terras- e pela comunidade era constante. Inúmeras ameaças de remoção e investidas por força, através de mecanismo policial se fizeram presentes na área e a forte organização social, juntamente com o apoio de outras frentes como o CAPROM (Comissão de Apoio e Proteção ao Migrante), e mesmo a Universidade, conseguiram resistência  [3] .  

A vitória da força popular e da mobilização da comunidade revelaram a força e a importância desta organização e, só por meio dela , foram possíveis as conquistas que se fizeram para a melhoria da situação e garantia de condições mínimas, em todos os aspectos: luz, água, instalação de rede de esgoto, coleta de lixo e educação.

A partir destes pontos, o foco principal da atenção era a terra e a legalização da situação fundiária. Embora a área fosse de ocupação ilegal, o contra-senso era o favorecimento por parte da própria Prefeitura com relação à concessão de benfeitorias. Muitas foram sendo atendidas, mas quanto aos servições e obras de urbanização e saneamento continuavam dependendo fundamentalmente da legalização da propriedade da terra.

Salienta-se  que, à parte toda questão sobre a posse da terra e a postura dos órgãos públicos  frente à ocupação, toda benfeitoria conseguida se deu  através de muita luta e reivindicação comunitária que vencia os entraves e burocracias para conquistá-las. A  partir do reconhecimento da consolidação da ocupação [4] , as comunidades da região levantaram  inúmeras discussões, a partir do que se decidiu desenvolver um projeto de reurbanização da comunidade, em busca de saneamento básico e melhoria habitacional, onde as famílias seriam reassentadas na mesma área e as casas, em situação precária, seriam removidas, gradualmente, e substituídas por uma nova habitação. Os terrenos seriam remarcados e a comunidade “reorganizada”, havendo a regularização de acessos (alguns novos seriam abertos e/ou alargados ) e a comunidade se reajustaria à malha urbana de seu entorno, “inserindo-se”, então, no espaço reconhecidamente legal. A posse da terra se daria por um programa de pagamento determinado pela Prefeitura, segundo as condições de renda de cada família.

Esta era a idéia original que, dentro do conhecido “Programa Bom Abrigo”, se concretizou no chamado “Projeto Chico Mendes”. A partir daí, vêm se desenvolvendo processos de discussão e negociação com a comunidade (1998) e sua implementação (1999) com inúmeros ajustes que se fizeram necessários neste processo de desenvolvimento do projeto. Algumas idéias não foram aceitas pela comunidade, como ocorreu no reassentamento das famílias no assentamento Novo Horizonte (ver análise desta área no tópico Resultados - Novo Horizonte) visto que, ali, inúmeras casas possuíam uma área significativamente maior que a do novo projeto. O consenso, neste caso, se deu na opção de se reconstruir apenas as casas em situação precária.

Desde o reconhecimento da área, como espaço de ocupação consolidada, muito se discutiu sobre as estratégias de intervenção, sendo que a primeira idéia fora o referencial do projeto “Cingapura” desenvolvido por Maluf, em São Paulo. Também foi discutida a erradicação da comunidade com a idéia de “limpar” a área, levando-a para um outro espaço, no Morro dos Cavalos. A primeira idéia nem chegou a ser conhecida pela comunidade e, esta última, fora completamente rejeitada, havendo uma forte organização e mobilização de resistência. Nem uma, nem outra estratégia se concretizou.

O novo  projeto, desenvolvido com o apoio de recursos advindos do BID, inclui de certa forma a comunidade no processo de implantação do projeto, sendo que esta  fora uma das prerrogativas do mesmo para a liberação dos recursos necessários para a concretização da obra. Assim, a partir disto, a discussão projetual com a comunidade aparece de maneira pioneira no processo de desenvolvimento de habitação popular. Muito embora isto possa ser apontado aqui como um fator positivo, é necessário que se observe que esta foi apenas "contemplativa” e não, “agente” ou “ efetiva”, visto que a participação, de fato [5] , se dava  apenas em termos de “aceitamos” ou “ não aceitamos” a proposta.

 

 

2.4.4.     Observações de campo

 

Tendo em vista  toda a questão histórica, bem como a realidade de transformação a partir do projeto que se desenvolvia pela Prefeitura, buscou-se traçar um perfil geral da situação da comunidade como um todo, a partir de uma lista de tópicos referenciais, tomados como base do  “Levantamento de Áreas Carentes de Florianópolis “, desenvolvido em 1993 pelo IPUF.

A orientação do prof.  Flávio Villaça da USP [6]   fez notar a importância da valorização dos pontos que melhor fundamentassem o desenvolvimento da pesquisa em detrimento dos outros. Assim buscou-se através destes tópicos-base dirigir-se especificamente a temática, deixando de lado aspectos menos relevantes, de maneira a se ter uma visão mais aprofundada e específica da parte abordada.

Apresentamos a seguir uma listagem referencial de tópicos ou aspectos para a pesquisa de campo [7] :

 

1) Localização e abrangência - limites

 

Quanto à localização e abrangência, bem como limites da área, a maioria dos aspectos referentes à  caracterização e situação do objeto de estudo já foi estudada por Matiello e Peres (1996-1998). Com relação aos impactos ambientais e urbanos, pode-se acrescentar os impactos sócio-culturais da ocupação na realidade circundante. Vizinhas ao conjunto Panorama e implantando-se dentro da realidade da mesma, as comunidades de Chico Mendes e principalmente Novo Horizonte, que está mais próxima àquele conjunto sofreu um processo de discriminação e auto-segregação por parte dos moradores do conjunto. Como já foi apontado na pesquisa referida anteriormente, a área contígua ao conjunto, ocupada posteriormente por "sem-teto", era destinada à continuação do projeto do Conjunto Panorama, que não foi concluído primeiramente devido à ocupação, e, depois à falta de verbas  para continuação - que impediu o prosseguimento das etapas. Os assentamentos  foram ocupando o seu entorno não de forma programada, onde houvesse um programa de integração entre as comunidades do conjunto e dos assentamentos. Como assinala Matiello, as comunidades dos assentamentos se viram confrontadas pelo preconceito e pelo temor dos moradores daquele conjunto em relação aos novos “invasores”.

O medo de roubos e o incômodo daquela realidade nada “bela” próxima ao conjunto, fez com que este literalmente se “cercasse, erguendo muros dentro dos próprios limites do Panorama: o conjunto individualizado viu-se aos poucos, novamente cercado, uma vez que cada um de seus blocos ergueu cercas ao seu redor".   (MATIELLO,  ibid).  Além disso, de acordo com o observado por Peres (1994),  era objeto de preocupação de seus moradores que temiam que os “invasores”, viessem a se apropriar de um espaço que “já tinha dono”.

   

 

2) Caracterização da população

 

Quanto à população, as comunidades do Chico Mendes são originárias do processo de ocupação em área pública (COHAB). As comunidades do Chico Mendes tiveram sua formação a partir de 1980, de forma desordenada, enquanto que o Novo Horizonte teve a assessoria de movimentos sociais ligados à questão da terra, tendo ocupado a área em 1989 .

A comunidade Nossa Senhora da Glória é a mais antiga (1975), tendo sido reconhecida como área de ocupação consolidada mais facilmente que as outras comunidades, que sofreram bastante pressão por parte da Prefeitura e do Governo para a sua desocupação.

Atualmente, embora ainda não tenham conseguido a titulação das terras,  as ocupações estão consolidadas, sem possibilidade de expansão, devido às limitações do espaço físico, havendo a premência de implantação de infra-estrutura urbana e social, habitações e regularização fundiária.

Atribui-se a formação destas comunidades e  da maioria das áreas carentes na região conurbada e parte insular de Florianópolis (caso  típico da Serrinha) ao processo migratório que tem origem na decadência da produção agrícola de pequena escala (pequeno agricultor), sendo uma das causas estruturais a concentração da terra  nas mãos de grandes latifúndios monocultores e de agroindústrias, e, específicamente, em Lages, a decadência da exploração madeireira. Também o processo de desativação econômico-industrial nos anos 80 foi, entre outros fatores a causa da geração destes fluxos migracionais, que buscam  em Florianópolis - centro administrativo e de serviços - uma alternativa para melhoria de renda e sobrevivência.

Outra população migrante é a própria população nativa, pescadores e agricultores que, sem especialização para o trabalho e com a conseqüente decadência de suas atividades frente a uma nova população que chega e à exploração turística da Ilha, vendem suas terras e buscam outros espaços para morar. A falta de opção quanto à alternativa do aluguel (altíssimo) é outro fator que gerou a problemática habitacional em Florianópolis, segundo PERES (1994).

Em suma, este é o perfil da população da área em estudo quanto à procedência [8] .

   

2.1.) Procedência (migração - êxodo rural)

            Homens   (73,28%)

            Mulheres ( 64,58%)

 

  

 

   

 A ocupação de área na zona urbana representa para todas as famílias a possibilidade de uma casa, uma moradia; ou seja, a procedência é aqui comprovada pelas estatísticas, sendo que os principais motivos do êxodo são: busca de trabalho e melhores condições de vida. alto índice de procedência da própria região de Florianópolis, reflete o processo de pauperização da população local, que ainda não conseguiu ter a sua casa, nem manter os aluguéis - o que reflete um quadro grave uma vez que o valor é alto.

   

2.2.) Situação empregatícia

Quanto  à situação empregatícia, há vários desempregados e a maioria não tem emprego fixo, havendo também inúmeros “biscateiros'. Isto reflete a não-especialização de mão-de-obra que passa de um emprego para outro e acaba constituindo uma espécie de “exército de reserva”, sendo a maioria dos homens empregada na indústria de construção civil e, das mulheres, como domésticas (destas, a maioria não possui carteira assinada de trabalho).

 

   

 

   

 

Quanto à situação de renda, pode-se perceber  um número bem maior de mulheres sem renda que de homens. Também o número de homens com renda entre 1 e 3 salários mínimos é maior que o de mulheres em quase 50%. Se observarmos que a média de membros por família é de 4,23 pessoas e que o número de mulheres responsáveis por família ( 972) excede em 10% o número de homens ( 876), este quadro aparece agravado. Dentro da realidade da questão habitacional, isto ganha importância, na medida em que se observa o processo de regularização da posse de terra e a programação de pagamento  na aquisição das novas moradias do projeto “Chico Mendes”. Verifica-se  que ganham menos que os homens,  havendo grande dificuldade de trabalharem, uma vez que para isto terão que lutar pelas vagas insuficientes das creches da região, ou deixar os filhos sozinhos. Ademais, a maioria não possui nenhuma qualificação profissional, o que inviabiliza a inserção da mulher no mercado de trabalho, cada vez mais seletivo e exigente.

 

2.3.) Situação do trabalho e rendimentos homens responsáveis por família [9] :

            40,75% - trabalham na construção civil, como mão-de-obra desqualificada

            31,85% - são autônomos , sem carteira assinada.

            68% - ganham de 1 a 3 salários mínimos.

 

   

 

2.4.) Desemprego [10] :

            Do total de homens e mulheresresponsáveis por família, tem-se 32,25% desempregados, sendo:

            Homens16,10%

            Mulheres 16,15%(fonte dos dados do gráfico :Sec. da habitação de Florianópolis).

 

   

 

   

 

2.5.) Renda Familiar

No contexto mais geral, percebe-se que  a parcela mais significativa da população ganha de 1 a 3 salários mínimos. Os que estão na faixa de "miserabilidade" [11] , embora não constitua um valor que numericamente assuste, representa um valor elevado: 10,73%.  Fazendo-se um resumo do total de homens e mulheres, tem-se para a faixa salarial de 01 a 03 salários , o valor de 69,94%, e para um ganho de menos de 1 salário mínimo  o valor de 18%, o que assusta.

            Homens  - 1 a 3 SM : 45,66%

                       -  menos de 1 SM  e sem renda : 24,09%

 

   

   

            Mulheres - 1 a 3 SM: 24,28%

                       -   menos de 1 e sem renda 49,49%

 

   

 

   

 

2.6.) Escolaridade

O quadro da educação reflete diretamente na imagem da desqualificação da mão-de-obra: 68,83% não completou o 1º grau.

                               29,08% analfabetos

                               22,14% alfabetizados

 

   

 

   

 

Há equivalência no nível educacional entre homens e mulheres. Quanto às crianças, há uma preocupação e consciência grandes por parte dos pais da necessidade de estudo para os filhos. No entanto, muitas vezes estas crianças deixam cedo a escola por necessidade de trabalharem para incrementar a renda familiar. Outra dificuldade é o atraso escolar em relação à idade devido à rotatividade das famílias, bem como à questão da alimentação que deixa a desejar. Das crianças de 0 a 6 anos, 45,16% estão fora de creche e pré-escola devido à carência de vagas na rede pública de escolas e mesmo privada, no que se refere à creche. O ensino obrigatório de 7 a 14 anos, no entanto, tem alcançado êxito quanto ao atendimento atendendo bem à demanda. As crianças de rua perfazem, no Chico Mendes, um total de 66%.

 

   

 

   

 

2.7.) Faixa Etária

Mulheres ( 20 a 40 anos ) - 59,36%

Homens (20 a 40 anos)  -  64,38%

 

   

 

   

 

 

3) Infra-estrutura

 

Quanto à infra-estrutura urbana, a comunidade apresenta carências embora seja atendida por quase todos os serviços, sendo que, com relação à drenagem de águas pluviais - o único sistema ainda não implantado. É necessário que se faça esta obra para continuação do projeto de reurbanização com pavimentação de ruas e construção de passeios.

Há rede de água instalada, mas o abastecimento é insuficiente, pois a rede está subdimensionada, havendo períodos de racionamento, especialmente, no verão. A rede de esgotos também tem problema de subdimensionamento, o que muitas vezes ocasiona obstruções, especialmente pela falta de um programa de educação ambiental na área. Muitas vezes, são jogados lixo e sacos plásticos na rede pública, refletindo uma problemática que tende a se agravar, uma vez completada a obra de reurbanização da área.

Outro problema detectado com relação à rede de esgoto, é a inexistência de bocas de lobo, o que obriga a serem feitas escavações, qualquer intervenção ou verificação que se faça necessária.

A partir da situação atual, a comunidade apresenta problemas quanto à iluminação pública, principalmente quanto à segurança.

Em relação à coleta de lixo, esta é ainda insatisfatória, devido à falta de acessibilidade. Há três pontos de coleta, onde a prefeitura através da COMCAP, colocou caixas coletoras, recolhidas todos os dias da semana: há um acúmulo de lixo, gerando mau-cheiro. Pode-se presenciar, também, crianças brincando em meio ao lixo, em um dos pontos de coleta.

Devido ao fato de as vias não estarem dimensionadas dentro das normas estabelecidas pelo código de obras, em vários pontos é impossível adentrar-se na comunidade com caminhão, dificuldade que se pretende sanar através do projeto de reurbanização, como já foi visto, através do alargamento de algumas vias e da  abertura de novas.

 

 

4) Qualidade

 

A questão qualidade em todos os seus aspectos é avaliada a partir do resultado das atuações da Prefeitura, no que se refere ao saneamento básico,  reurbanização e atendimento dos serviços e equipamentos urbanos à comunidade. Este processo pode ser avaliado desde os primeiros procedimentos de projeto e a interação com a comunidade, até a situação atual, em que ainda não foram concluídas todas as etapas de reurbanização. Quanto à maneira de como se chegou à comunidade, numa avaliação do perfil da mesma, a atuação da Secretaria da Habitação, reflete ao mesmo tempo, uma preocupação não apenas com a questão habitacional, mas a preocupação com a sustentabilidade daquela população no espaço, e o processo de regularização da posse da terra no que se refere ao pagamento de uma população carente de recursos.

Mecanismos de geração de renda para os desempregados como a formação de uma comissão permanente de educação ambiental foram desenvolvidos pela equipe de assistência social da Prefeitura.

Outro aspecto interessante, como já foi citado, foram as negociações através de assembléias comunitárias para discussão do projeto a ser implementado, o que deixou a desejar, na medida em que a população  decidia apenas em termos de sim” ou “não” para a aprovação da proposta.

A questão qualidade se identifica mais claramente, não nas pretensões e metas de atuação, que parecem bastante interessantes, mais precisamente nos aspectos atingidos pela proposta, considerando-se a situação original e o resultado a que se tem chegado, bem como o modo como são abordados os mesmos na busca de solução.

Quanto às metas e pretensões de atuação, pode-se enumerar os cinco temas a partir dos quais se organizaram as Comissões Comunitárias de discussão, em busca de favorecer e direcionar a resposta adequada e coerente às necessidades e expectativas comunitárias [12] . Esta organização permitiu certa objetividade nas discussões dos temas. Cinco temas passaram por discussão, cada qual representado por uma comissão.

 

Comissão da Terra

Visava o planejamento em conjunto das áreas de abrangência e atendimento do projeto, bem como de negociações com os moradores e a avaliação da terra. Na prática, pouco adiantou a formação desta comissão no que se refere à sua participação efetiva. As avaliações foram feitas pelos técnicos responsáveis da Prefeitura e a participação comunitária foi passiva.

Segundo a visão dos moradores, o valor da residência original foi minorado, enquanto o órgão público dizia ser muito subjetiva a avaliação do próprio morador, uma vez  que as casas, segundo eles, possuíam uma valor estimado muito baixo. O que temos verificado é que a comissão formada parece ter servido apenas para constatação e verificação e não  para uma participação efetiva.

 

Comissão de Financiamento  

Discutia formas de pagamento, destino dos recursos, equilíbrio financeiro da intervenção com relação às famílias.

O resultado pratico desta comissão foi a formação de um fundo de reserva comunitária, a partir de uma porcentagem do que e recolhido como pagamento das parcelas, bem como num estudo de parcelas de pagamento compatível com a renda das famílias. Assim, foi constatado juntamente ao órgão público, que as taxas variavam de R$ 12,00  até 20,00 e 30,00 mensais.

Para chegar-se a estes valores, foi feita uma avaliação individualizada com cada família, sendo importante observar-se, aqui,  os choques de pensamento dentro da ação do Estado. Enquanto a parte técnica, representada pelo arquiteto João Maria e a parte de assistência social da Prefeitura empreendiam esforços neste sentido, buscando aliviar a sobrecarga financeira da comunidade, bem como entrar rapidamente  em um acordo - temerosa de não conseguir pagar as parcelas - a Prefeita Ângela Amin classificava como paternalista esta atitude, bem como sugeria "nivelar"  as parcelas em uma taxa única e igual para todos. Lembramos que esta foi a atitude tomada pela COHAB  no desenvolvimento do Projeto do Abraão para a comunidade Via Expressa, erradicada para lá, através também do programa "Bom Abrigo" (ver análise de Valle (1998-2000).   Com taxas mensais de 40,00 reais, a comunidade viu-se em situação crítica, uma vez que não tinham renda suficiente para manter em dia o pagamento das parcelas e arcar com os outros gastos, bem como necessidades pessoais básicas. Constataram-se famílias com renda de 150,00 reais, tendo que gastar só em água, luz e as parcelas, em torno de 30% do salário. Muitos estavam inadimplentes e outros já pensavam na possibilidade de vender o apartamento e ocupar outro lugar.  Enquanto isto, já se formava uma nova "favelinha" como diziam os moradores do conjunto, logo ao lado do mesmo.

Voltando à análise desta situação no Chico Mendes, provavelmente pode repetir-se nesta área a situação do c. h. Abraão. Conforme recentes levantamentos realizados por Lima (2000) (ver análise  neste trabalho mais adiante), os moradores deste assentamento recentemente revelaram desconhecer as taxas que terão que pagar e, perguntados se teriam condições de arcar com uma mensalidade entre 30,00 e 40,00 reais, responderam que não teriam como pagá-la com relação aos seus rendimentos. Muitas famílias têm rendimentos periódicos o que dificulta manter mensalidades fixas todo o m6es.

O grande temor da população era não conseguir manter em dia o pagamento das taxas, sendo levantada, inclusive à situação daqueles que por falta de renda, não conseguiriam pagar. A solução considerada, como hipótese, foi a  de permitir o uso da residência pela família, sem no entanto, a posse da mesma. Com a morte do morador, a casa seria retomada pela Prefeitura, que , então, poderia vendê-la ou alugá-la.

 

Comissão da Habitação  

Visava tratar da tipologia em relação às necessidades das famílias, bem como a tecnologia a ser utilizada.

Em relação a este aspecto, também bem pouca foi a influência da comunidade. A tipologia adotada - a de casas geminadas -  visava a economia e remanejamento de espaços e foi escolhida pela Prefeitura em função da falta de espaços e o do grande número de famílias assentadas. A preferência desta população vinda de um interior rural e acostumada a ter seu quintal, bem como horta é, sem dúvida, a casa isolada no lote, o que a falta de espaços não permitia. Uma das preocupações da comunidade era quanto à privacidade acústica, mas as primeiras famílias já instaladas na área puderam concluir que não houve problemas quanto a isto.

O aspecto que mais chama a atenção nesta pesquisa é a qualidade formal e de linguagem a partir da tipologia adotada, a que o arquiteto João Maria argumentou falta de tempo para desenvolvimento de estudos, em face à necessidade urgente de rápida aprovação do projeto para liberação de verbas e imediato início das obras. Entretanto, ao ver-se a repetição da mesma imagem em outros conjuntos habitacionais da cidade (também por ele desenvolvidos), pode-se perceber uma espécie de "standardização habitacional, que repete os mesmos módulos em realidades diferentes. Não parece haver um aprimoramento de linguagem de uma obra para outra.

A questão da homogeneidade da imagem de uma habitação modulada e repetitiva acaba por ser modificada pelo próprio morador, que, assim que pode, busca elementos de diferenciação e individualização de sua moradia. Além disso, muitas adaptações acabam surgindo conforme a necessidade da família, como por exemplo um "toldo", numa habitação que usou o térreo com finalidade comercial. Este aspecto  foi particularmente estudado pelo sub-projeto FINEP  desenvolvido e coordenado pela profa.  Carolina P. Szücs, onde  se enfatizou a variável da flexibilidade na progresssividade que foi  adotada nos conjuntos habitacionais Bela Vista I , II e III, em São José.  Entendemos que fundamental fator  projetual acabou sendo impedido e impossibilitado pela rigidez do desenho utilizado, pela ausência e proibição de expansão horizontal e vertical das unidades habitacionais construídas. Isto se percebe também em outros conjuntos  projetados pelo DDS/PMF, embora no caso do Chico Mendes, este problema é bastante evidente.

 

Comissão de Espaços Comunitários

Esta  definiu os equipamentos comunitários necessários nas comunidades, a serem incorporados ao projeto de habitação. Por enquanto, aparece apenas na intenção. O espaço destinado, em princípio, para esta finalidade era a parte térrea do conjunto central de apartamentos . Entretanto, a necessidade de acomodação das famílias (que superava o número de habitações previstas no projeto, devido ao grande número de co-habitações verificado) fez com que a mesma fosse ocupada de maneira provisória pelas famílias. O "provisório" virou permanente e não foram instalados os serviços previstos como correios, comércio vicinal, creche, etc. O que se percebe é a repetição da morosidade e estagnação das situações "provisórias" das obras feitas pelo poder público. Em recente visita ao prédio, verificamos (Lima e Peres, 2000) a situação de significativa precariedade em que vivem as famílias na parte térrea. A área central (o miolo do bloco) do prédio está tomada  por varais e o estado da construção, embora  nova, já é de abandono. Entrevistadas as famílias, reclamaram da falta de áreas para lavar roupas, pois usam as instalações de banheiro. Sentem uma sensaçã ode incerteza de quando poderão  ter acesso às unidades que foram construídas em seus terrenos. E já reclamam de que os espaços diminutos das casas verticais não comportrão os membros da família e os móveis. 

 

Comissão de Obras   

Responsável por propor formas de participação da comunidade na execução  do Projeto, esta comissão conseguiu empregar mão-de-obra da própria comunidade para a execução da obra de maneira a gerar empregos. Além disso, a experiência tem refletido em rapidez, uma vez que a ansiedade em se ver a obra concluída, por parte dos moradores-trabalhadores, faz com que se acelere o processo construtivo.

 

   

5) Quanto à questão fundiária e habitacional

 

O tamanho dos lotes iniciais era variadíssimo, havendo desde mínimos com a implantação de barracos, até lotes maiores, com casas de alvenaria. A situação fundiária encontra-se em processo de regularização .

O perfil geral das habitações, em termos de estatística  [13] , reflete um índice de 43% de casas em condições de conservação ruim . Pode-se enquadrar dentro deste valor, também aquelas de condições sanitárias inadequadas, de cujo total, 48% das habitações, não possuem cozinha e 15,83% não possuem banheiro.  As conseqüências disso serão percebidas no fator saúde, agravado pela falta de uma consciência ambiental e de saneamento básico.

Um problema detectado ali e preocupante para os moradores, o que foi constatado em conversa informal em alguns pontos da comunidade, ainda em 1998, era a marginalização de jovens e adultos, sentida no uso e tráfico de drogas.  A deterioração familiar é um agravante deste quadro, no que se refere à educação e formação dos filhos e foi percebido no diagnóstico da Prefeitura, em suas analises estatísticas - falta de laços e compromissos familiares e uniões não reconhecidas legalmente.

 

 

6)  Equipamentos urbanos e comunitários

 

Quanto aos equipamentos urbanos, verificou-se a existência de atendimento através de serviços formais (circuito de mercado) tanto quanto os informais. Dentre os serviços oferecidos  pelo circuito formal, situados em grande maioria nas partes periféricas do bairro, pode citar –se: peixaria,  mercearia, mini-mercado, farmácia, artigos de 1,99, sorveteria, bares/botecos; farmácia; confecções, barbearia, cabeleireiros, bazar/ papelaria, presentes, serralheria, oficinas mecânicas, conserto de bicicletas, etc.

Dentre os serviços informais,  encontrou-se:  limpeza de caixa d'água, pintor, catadores de papel, manicure, conserto de  bateria, carrinho de lanches, frete, domésticas, etc.

O bairro, em termos de equipamentos urbanos, possui um posto de saúde, creche, centro social , e um centro comunitário ligado à Igreja católica local e que dá assistência à comunidade. Não há atendimento de correios local, sendo a agência mais próxima situada em Campinas, que está separado da área   pela BR 282.

Há próximo ao bairro, um posto policial,  o que não assegura totalmente a segurança da localidade. 

É uma área carente em relação a todos os espaços, mas especialmente em termos de área de lazer, a carência é bastante sentida pela  comunidade local. Há apenas um campo de futebol, e sendo este espaço,  a única área livre dentro da comunidade,  qualquer projeto implantado naquela área demandará o uso desta área livre. É o que ocorre atualmente com o projeto proposto pela Prefeitura através da Secretaria da Habitação e que iniciou ali suas obras ,  com vistas à reurbanização do bairro.

 

 

7) Associações

 

A comunidade é organizada , havendo uma associação de moradores, onde as lideranças locais escolhidas pelos moradores representam os interesses e reivindicações da comunidade. No entanto, esta liderança observada não é eficiente, na medida em que internamente se busca prevalecer em interesses individuais, ao invés de olhar o interesse comunitário. A falta de instrução da comunidade como um todo,  e o comodismo da mesma, na medida em que vê o líder como responsável pela comunidade, dificulta as movimentações e reivindicações em prol de seus próprios interesses.                                                                                  

Quanto às associações, é ainda possível comentar sobre sua força no desenvolvimento do projeto como ocorreu  com o Novo Horizonte. Ali, o projeto de reurbanização, de início não foi aceito, havendo várias negociações até se chegar a  um acordo, onde a proposta, modificada  fora aprovada e implantada.

A Secretaria da Habitação tem desenvolvido um programa de atendimento à comunidade, através do qual a assistência social as acompanhou, preparando-as em termos de educação ao social, particularmente cada família para a nova situação e, ainda agora, no processo de remoção e reassentamento.

            Existe, ainda, um plano de acompanhamento social pós-remoção e/ou  pós-implantação de obras de infra-estrutura urbana e social, o que é uma atitude nova em termos de produção habitacional, e que supõe um  possível avanço nas próximas implantações, a partir desta experiência.

 

 

8) Programas e Projetos

 

Em relação a este item, o que se pode dizer é que a área de estudo deste, antes do início da ocupação vinha sendo discutida em busca de um projeto de regularização fundiária e implantação de infra-estrutura urbana.

Em 1998, quando se iniciou a pesquisa, discutia-se este projeto;  hoje, ainda em fase de implantação, dentro do qual, apenas a parte habitacional foi feita e  não está concluída, a falta de discussão coletiva das obras é reclamada por alguns líderes comunitários como o sr. Antonio (entrevista em julho/2000).   

Há um projeto de implantação de duas novas vias, pavimentação, implantação de sistema de captação das águas pluviais, além de um processo paisagístico. A crítica em relação à implantação deste sistema é a maneira individualizada como é tratado cada projeto.

O projeto paisagístico surge como um elemento acessório, ao invés de  ser parte integrante e acompanhar o desenvolvimento do projeto urbano-habitacional como parte do mesmo, conformando o conjunto simultaneamente. A fragmentação das ações isoladas do poder público, onde cada órgão desenvolve seu projeto e intervenção de forma separadamente e de maneira diversa um do outro (e aleatória) aparece no método centralizado e na ação dirigida do projeto: as partes são tratadas individualmente.

 

 

9) Reflexões

 

A partir de todos os aspectos então levantados e paralelamente a um histórico sobre a questão habitacional, apresentam-se aqui  análises e questionamentos sobre a produção de habitação popular e as políticas e ações do Estado, e suas políticas especificamente locais, representado através do DDS/PMF, onde podemos perceber as interações que se processam no que tange à questão, bem como sua complexidade.

Desde o princípio, vem estudando-se e dissecando as situações da questão da habitação desde seu surgimento histórico, até à presente realidade e suas implicações no Brasil, buscando elementos que ajudassem a compreensão do objeto de estudo, estando este solidamente fundamentado em todo este processo.

Se, por um lado, se exercita o olhar inquiridor em um âmbito puramente de pesquisa científico-técnica, buscando-se preservar uma distância relativa [14]   no que se refere ao aspecto do indivíduo profundamente identificado com a questão, quando se pára para pensar no social como o âmbito de vidas humanas e suas histórias e, ao dirigirmos o olhar para o espaço em questão - Nossa Senhora da Glória e Chico Mendes - e observando-se também a sua realidade circundante, que são as outras comunidades - também de população baixa renda, além da apropriação privada, que constitui o BIG SHOP e o Kobrassol (uma centralidade urbana que tem se sobressaído na paisagem urbana e econômica de Florianópolis),  podemos perceber uma inserção urbana onde diferentes interesses entram em confronto e conflito,  com disputas, ainda que veladas, por um espaço,  onde  o elemento de valor - terra -  oferece interessantes   propostas  ao olhar  da especulação imobiliária e aos empreendedores.

Como preservar o espaço do morador de baixa renda?

Qual a resposta ideal: atender aos apelos dos interesses do capital privado em detrimento da questão social e urbana, ou assumir o discurso social, defendendo das necessidades desta população carente? E quanto à questão urbana? Que proposição poderia melhor qualificar o espaço urbano e atender o interesse da cidade - quais os critérios para a adoção de diretrizes políticas na questão da ocupação daquele espaço?

Enquanto vários questionamentos são levantados e a questão urbana e da habitação tomam forma, procura-se um ponto na história que possa justificar os porquês da situação que, então encontramos, buscando nela o fundamento para  esta análise e decorrentes proposições.

Historicamente, retomando a tese de Lino F.B. Peres (1994), as ocupações da área urbana de Florianópolis são resultado de uma problemática bem mais ampla que assume proporções de amplitude não apenas estadual, mas nacional.

O déficit e carência habitacionais em Florianópolis, portanto, têm conseqüências que decorrem do tipo de ocupação e colonização do Brasil e das políticas de distribuição e gestão da terra, desde os primórdios de sua história.  A partir do momento em que podemos perceber a formação das cidades, começamos a nos deparar com a problemática da falta de moradia, que, de uma maneira ou de outra, necessita de soluções, de onde surgem as sub-habitações, as periferias,  as margens sociais onde se conhece a exclusão urbana e  social.

Esta problemática urbano-habitacional, desde o surgimento, reflete a tradição histórica do descaso e distanciamento do Estado em relação à questão,   ao invés  de uma postura onde fosse assumida a situação em busca do  saneamento social melhoria das condições sociais.  Isto porque o Estado sempre atendeu, não à maioria da população e suas necessidades e demandas, mas ao capital e seus interesses bem como à sua necessidade e exercício de poder [15] .  

            Nem por isso se pode ignorar as tentativas empreendidas na direção de uma solução para questão, havendo experiências de resultados bastante interessantes no país. Pode-se citar a experiência recente da gestão  municipal de Erundina em São Paulo,  mas sempre se questiona  se realmente o interesse final de tais intervenções era a necessidade social,  ou  se seria apenas um programa a mais de investimento de dinheiro público.

Examinando-e a questão urbana  e a problemática habitacional, é possível perceber alguns fatores que funcionaram como alavanca:  a urbanidade associada às atividades urbanas, a indústria e os novos valores que traz consigo, trazem à cidade a divisão do trabalho e de classes, o acelerado crescimento populacional, o agravamento do déficit e carência de moradias. Isto aconteceu em São Paulo, e a maior parte das grandes cidades, ainda que o processo econômico destas tenham sido diverso daquele ocorrido em São Paulo As grandes cidades brasileiras  apresentaram as mesmas características  em termos de problemática habitacional  e crescimento urbano, embora, talvez tivessem situações não tão agudas quanto as que vieram a se verificar na maior metrópole do país.

A esta verificação histórica constatada em São Paulo, pode-se caracterizar  a situação habitacional em Santa Catarina, especificamente Florianópolis - que tem seu desenvolvimento associado ao turismo e à  exploração de serviços - que tem sido afetada pela explosão populacional que veio dar origem às ocupações ilegais e à problemática habitacional.

Se por um lado encontramos duas realidades totalmente diferentes de desenvolvimento econômico que veio a dar origem a uma realidade urbana e espacial bem características e distintas, por outro, temos como resultado final, a afluência de um grande contingente populacional que chega, tanto neste, quanto naquele espaço, em decorrência de um desenvolvimento econômico que faz promissores ecos de sustentabilidade econômica que a cidade aparenta oferecer. Não apenas isto favorece a este súbito afluxo para o espaço urbano, mas sobretudo, a situação em que se encontra, então, o interior e suas cidades menos urbanizadas e de frágil sustentação econômica.

As cidades do interior de SC, de economia rural ou de exploração de recursos naturais, são têm em geral características que contribuíram para os fluxos migratórios em direção às cidades de maior dinâmica econômica e urbana,  processo que é resultante da carência de políticas de sustentação de atividades agrícolas, especialmente quando se fala da pequena propriedade, o que de novo nos obriga a encarar  o processo de distribuição de terras e ocupação do Brasil.

Sem respaldo de políticas que ao menos permitam a sobrevivência no campo, é evidente que o resultado disto seria as migrações para o espaço urbano. Em linhas gerais, percebeu-se, através dos fichamentos feitos no início da pesquisa, que esta é uma das raízes da problemática urbana. No caso de Florianópolis, isto pode ser comprovado pelas estatísticas de amostragens feitas com a população, onde claramente se pode constatar esta origem rural da população:

 

   

 

 Neste gráfico referente à procedência da população carente das três comunidades que se situam no chamado Pasto do Gado, ou como é atualmente conhecida a região -  Chico Mendes  - pode-se  ver que a maior parte é de origem rural ou outras cidades interioranas, havendo também uma porcentagem alta da população em estudo que procede da própria Florianópolis.

No que se refere à Florianópolis, esta população resulta do processo de   pauperização que veio sofrendo, e não suportando as altas taxas de aluguéis e mesmo a especulação imobiliária devido à vocação turística que aumenta o valor da terra, acaba sendo expulsa em direção às periferias (PERES, 1994; RIZZO, 1993; POPINI, 1991).

Uma vez identificada esta problemática, percebe-se, por um lado, a questão do campo como uma variável fundamental a ser atendida pelo governo, para que a questão urbana venha a ser fundamentalmente sanada, pois do contrário por mais que se tente solucionar o problema da carência habitacional da cidade, continuaremos a ver reproduzida esta problemática nas paisagens urbanas. E por outro, aparece a necessidade urgente de políticas de  geração de empregos que permitam a sustentabilidade da população.

Esta é uma questão importante e de caráter mais generalizado, embora não seja uma medida vinculada diretamente à habitação urbana em si. Também, como se pode perceber, é algo característico das cidades brasileiras de uma maneira geral, não se restringindo ao quadro sócio-econômico do local de estudo. Florianópolis, quanto à sua situação econômica, é uma cidade  que se tem voltado  para o turismo e  para o comércio, sofrendo um processo de valorização da terra urbana devido ao desenvolvimento turístico para o qual a cidade se volta.  Outro aspecto de importância  no desenvolvimento urbano de Florianópolis é a centralização estatal dos órgãos administradores, o que de certa forma, imprimiu um desenvolvimento urbano, na área de serviços públicos urbanos. Isto tudo é importante ter em vista quando se pensa vida desta população migrante, em busca de qualidade de vida e emprego,  bem como nas situações que aqui encontram.

A população que vem do campo para a cidade constitui mão-de-obra barata e desqualificada, não tendo condições financeiras de sustentar-se na cidade, especialmente quando se pensa na aquisição da casa própria, ou mesmo para manter o aluguel, o qual tanto é mais alto quanto maior for a proximidade às centralidades, ou  quando for temporada de turismo, quando a cidade se vê tomada de turistas. O resultado deste processo são as ocupações.

As comunidades Chico Mendes e Nossa Senhora da Glória, que são o objeto de estudo desta pesquisa, têm este cenário a sua realidade, mostrando-nos a deficiência da estrutura rural não apenas catarinense, mas que abrange o Brasil como um todo,  bem como a incapacidade da cidade absorver este fluxo migratório que toma parte na realidade urbana.

A falta de condições desta população entrar na "cidade legal", obriga estas populações a buscarem seu espaço para de alguma forma sobreviver;  e o que ocorre é que aqueles espaços rejeitados pelo circuito urbano formal ou legal [16] ,  ou mesmo determinados como área  de não ocupação - por uma população que tem acesso às áreas legais e localizadas na urbanidade de maneira privilegiada - acabam recebendo estas populações excluídas da comunidade e da cidadania, uma vez que cidadania se refere à população no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado.

Ignora-se de uma maneira natural e inconsciente que esta população está excluída, sobretudo do principal direito que defende a democracia que é o direito à cidade. E isto é algo velado: ninguém jamais ouviu falar da negação deste direito, mas o que acontece é que na prática ele não existe. O que move as portas da acessibilidade, do poder e do viver é o capital dentro da realidade da lógica da acumulação e da lei do valor.  Ora, se esta população precisa arrebentar estas portas para viver na cidade, não adquirindo tal direito pelos meios legais, ela simplesmente encontra uma condicionante para este “direito à cidade”  o que é estranho à palavra democracia, pois se lhe tolhe um direito constitucional inalienável: o direito de ir e vir.

Em outras palavras,  a democracia existe enquanto se pode compra-lá.  Para o que for além disto, ela passa  a ser anti-democrática, ou restritiva do direito  de ir e vir, do direito de circular, do direito de morar, e assim por diante, processo no qual a democracia formal ou representativa  não dá conta da problemática da reprodução e subsistência das populações pobres e excluídas.  Interessante observar também que se exige que tenha um poder de aquisição deste direito, mas não se garante o meio de alcançar este poder aquisitivo. Faltam empregos,  educação e saúde e daí decorrem outras carências, que apenas agravam a problemática e reforçam a ausência de respostas aos direitos e às necessidades  das populações excluídas.

Sabe-se que o quadro descrito continua reproduzindo-se , porque a raiz do problema continua a produzir os “brotos”  da periferização urbana e da exclusão de grande massa de trabalhadores de um mercado de trabalho restrito, carente de recursos e que cada vez mais exige qualificação que esta massa não tem.

Por um lado, percebe-se a problemática de raiz histórica e, por outro, a necessidade de uma resposta para a questão, na busca de melhoria para o contexto urbano e de qualidade de vida, com a reinserção destas comunidades carentes no tecido urbano e de certa forma, ao direito e ao exercício de cidadania.

            Segundo dados do Diário Catarinense (21 de agosto de 1993) : “a nível de Estado há uma carência de 250 mil casas, sendo que somente em Florianópolis foram detectadas mais de 60 áreas ocupadas por pessoas de baixa renda, o que representa 20% da população ou 40 mil casas. No País, o déficit chega a 12,5 milhôes de unidades. O agravamento do problema habitacional aconteceu em todo o País a partir da década de 30 e em Santa Catarina a partir da década de 50, com o desenvolvimento do setor industrial. ‘Em 1950 , 77% da população brasileira vivia na Zona rural, enquanto em 1990 apenas eram 29%.’ ...  a falta de uma política agrária e ausência de planejamento influenciam diretamente a questão da habitação” ’.

Ao encarar-se, agora,  o Estado e suas políticas no âmbito da habitação de baixa renda, conclui-se que é imprescindível que se dirija programas de habitação popular com mecanismos de participação da comunidade para que haja um resultado mais coerente com as necessidades reais da população.  

Nesta pesquisa, procurou-se analisar os vários momentos de atuação do Estado na questão, enfocando duas linhas de ação fundamentais: a erradicação das comunidades carentes e a reurbanização das mesmas, donde pudemos perceber , em princípio, o maior êxito nesta última experiência; pelo menos esta era a fachada inicial que o processo da reurbanização apontava, enquanto forma de  erradicação, no caso Via Expressa e Abraão, estudado pela bolsista Maira de O. Valle (1998-2000), a comunidade desde o princípio foi excluída de todo o processo .

É  importante, no entanto, frisar que não é o modelo de solução da questão que pode trazer a melhor resposta, mas sim as condições em que este ou aquele modelo é implantado.

Uma vez que sejam atendidas as necessidades fundamentais da população tendo em vista sua sustentabilidade econômica, e sua inserção urbana de modo a ser atendida pelos serviços urbanos de que necessita, ambas as soluções podem alcançar êxito. Esta é a conclusão a que ,a priori,    se chegou. Na experiência que acompanhada no estudo da região do Chico Mendes, pudemos perceber um processo de abertura ao diálogo com estas comunidades, onde cada vez mais, a comunidade passa a ter voz dentro das decisões que lhe dizem respeito.

Em todo tempo, desde seu surgimento, a  grande luta  destas ocupações tem sido pela garantia  de  permanência no local,  entrando em confronto  com a COHAB, que reivindicava o direito à  propriedade da terra; havendo, assim, constantemente, a ameaça de expulsão - uma sombra à tranqüilidade da população.

Observa-se então que desde o princípio, a movimentação comunitária tem sido uma necessidade, sendo a sua maior reivindicação a regularização das terras, o que permitiria a fixação das moradias que, num primeiro instante, não  passavam de barracos precários, ou melhor, provisórios.

Embora a questão habitacional seja um problema antigo na área, pouco se fez por parte do governo em prol da comunidade, verificando-se muitas vezes , interesses passageiros, coincidentemente em períodos eleitorais. Com muitas lutas, as comunidades ali se mantiveram, contando com a ajuda do CAPROM, e também, logo no início da ocupação da comunidade Chico Mendes, da Universidade Federal [17] .

Interessante observar-se o descaso e a morosidade com que o Estado trata a problemática, pois em 1993, ainda se lutava para a conquista de rede de esgoto e energia elétrica e o problema de lixo era uma séria questão, atraindo ratos e insetos. Embora já nesta época tenha sido feito um cadastramento pela COHAB, com vistas à implantação de um programa de urbanização,  apenas agora, em 1999, está em vias de ser aprovado e implantado um projeto de reassentamento das famílias, juntamente com a reurbanização do bairro. Agravava-se, aos poucos, a situação de carência habitacional na área, sem uma atitude concreta por parte do governo, além de medidas repressivas e políticas de remoção. A idéia da expulsão e de “limpeza” dos assentamentos irregulares da região, embora tenha ocorrido parcialmente, reflete a ilusão de que a remoção da população invasora, removeria uma nódoa na malha urbana, sem a consciência de que a mesma população viria a ocupar outro espaço, mudando a problemática apenas de “endereço”. Aliás, isto foi o que se verificou, quando  se tentou remover a comunidade “Nova Esperança”. A comunidade “Nova Esperança”, parte da comunidade Via Expressa, nos anos de 1990-1991, sofreu ameaça de remoção,  conseguindo, então, através de acordo com a Prefeitura (então sob direção do Prefeito Esperidião Amin) uma garantia de transferência para uma área no município de São José. No acordo, ficava garantida a relocação desta população para 144, do total de 278 casas a serem construídas, num espaço cedido pelo município. As outras casas seriam ocupadas pela população carente do próprio município de São José. Como a comunidade Nova Esperança, a outra parte da comunidade Via Expressa, também teve sua população transferida, para uma área no Município da Palhoça [18]

Nas duas experiências o resultado foi o mesmo:  a relocação da população refletia uma política isolada de produção habitacional, sem um programa de inserção desta nova comunidade naquele espaço, o que trouxe a mesma população de volta à Via Expressa.

Faltavam vagas nas escolas e nas creches,  a distância desta população das áreas de emprego era grande, o que se agravava pela falta de um sistema de transporte eficiente...

Segundo Ribeiro, em entrevista feita pelo jornal Diário Catarinense (21 de Agosto de 1993), a lógica utilizada para a construção de núcleos habitacionais é a de  “mandar as pessoas o mais longe possível do centro urbano, para depois implantar a infra-estrutura, valorizando os terrenos de particulares que ficam no meio do percurso”(...)  “ O Governo joga as pessoas em locais sem transporte e escola, e depois não quer que os lotes sejam comercializados”- referência feita ao Conjunto Habitacional José Nitro, para onde estão sendo transferidos os favelados da Via Expressa.

Isto tudo reflete um aspecto que tem se verificado essencial, no sentido de se obter êxito na implementação de um programa habitacional: a solução da questão habitacional em si é utópica, se não houver mecanismos de sustentabilidade desta população, bem como atendimento às outras necessidades e demandas da mesma.

É ímpossível pensar em solucionar a problemática, tão somente no âmbito da unidade habitacional em si, enquanto em termos urbanos, não há serviços e equipamentos complementares ao programa habitacional, e mesmo, programas de oferta de emprego ou condições de acessibilidade fácil ao trabalho [19] .

Não que a política habitacional de remoção seja inviável, mas que seja executada juntamente com ela um programa que dê sustentabilidade a esta população nesta nova área.

Conforme dados do Diário Catarinense de setembro de 1993,  o problema habitacional em Santa Catarina começa com a falta de geração de empregos e o fluxo migratório. Além disso, vê-se o agravante do reajuste sem regras dos preços da terra e dos insumos para iniciar a construção da casa própria.

Dirige-se uma crítica à atuação do governo em direção aos grandes conjuntos habitacionais. “As soluções imediatistas que criaram os grandes conjuntos populares, longe dos centros urbanos, provocaram a evasão escolar, o aumento dos gastos com transporte para o trabalho e a incidência de doenças devido às péssimas condições de habitação.”   Ou seja: as soluções imediatistas acabam se revelando como mecanismos eleitoreiros,  incapazes de atender à população, e que por fim acabam gerando espaços urbanos desqualificados... periferias de alvenaria e concreto.

No que pudemos estudar em dieversos autores, e na própria reflexão do objeto de estudo desta pesquisa, é que a mentalidade do Governo é  “habitação a baixo custo”  a qualquer custo, sendo que o custo acaba sendo habitações baratas de péssima qualidade, com pobreza de tipologia, com o agravante da má qualidade do material utilizado, o que resulta em habitações completamente degradadas em poucos anos de utilização. Outra questão que dificilmente é levada em consideração é a completa desconsideração das características sócio-culturais da população, bem como a falta de identidade das unidades, reproduzidas em série [20] . Isto nos faz lembrar que ainda estamos vivendo o “fordismo” [21] : o preço do progresso é a massificação e o da individulidade é a  o capital.  É assim que o Estado tem tratado a questão da habitação, justificando-se no barateamento das edificações, o que é falso.

É bem possível criar-se variações de implantação e de tipologia, sem se aumentar o custo e melhorando-se sobremaneira a qualidade da unidade habitacional em si, bem como do organismo urbano como um todo. Ao analisarmos a comunidade Via Expressa, dentro do processo de erradicação desenvolvido pela COHAB, com a construção de um conjunto habitacional no Abraão, pudemos perceber esta atitude onde a economia e o barateamento das edificações, não apenas justificavam a escolha da tipologia adotada de blocos de edifícios, mas justificava a falta de preocupação com o produto a ser oferecido à população.  Quando questionado em entrevista, referente à preocupação com a melhor implantação no terreno, e a insolação, por exemplo, o técnico responsável pelo projeto, arquiteto da COHAB, justificou-se afirmando que  “em se tratando de projetos destinados à população de baixa renda, não é possível levar em consideração a qualidade da habitação”,  pois   “ao menos o Estado oferece alguma solução”   Isto quando oferece, poder-se-ia complementar.

Esta atitude leva muitas vezes a situações onde o sistema de implantação que desconsidera totalmente a geografia do terreno, e o próprio tecido urbano havendo ruas que praticamente se encontram  sem uma lógica de implantação. Isto ocorreu, por exemplo, no conjunto habitacional Bela Vista - um conjunto de casas unifamiliares, desenvolvido também pela COHAB, no Bairro Bela Vista, particularmente no conjunto habitacional Bela Vista IV, estudado pelos bolsistas Alexandre Mattiello e Luciane Bueno (ver tópico Resultados - Bela Vista IV).

A área específica do objeto de estudo, a comunidade Chico Mendes, passou por vários momentos políticos, atravessando primeiramente um período de repressão, dentro da política de remoção de favelas; depois seguiu-se um período de discussões sobre erradicação (em 1995) quando se  propôs a relocação dos moradores para  o morro dos Cavalos; estando atualmente em fase de implantação, a primeira medida concreta em termos de urbanização da comunidade.

Esta comunidade tem alcançado em suas mobilizações vários avanços e melhorias para o bairro,  contra todas as dificuldades e barreiras colocadas pelo Governo. Ainda não houve um acerto legal entre a COHAB  e a comunidade através de titulação dos terrenos, embora a população ali assentada já tenha segurança de estabilidade.

Um aspecto observado na atuação do governo, é o paradoxo nas atitudes tomadas em relação à área: embora o governo não cedesse a área aos ocupantes, concedia a eles a infra-estrutura reivindicada, como foi o caso da instalação de água e esgoto (CASAN), instalação elétrica (CELESC), e atendimento de serviço de coleta de lixo ( COMCAP). Ou seja,  o mesmo Estado que desaprovava em discurso, favorecia tecnicamente a ocupação.

A primeira proposta lançada pela CEF, em termos de regularização, ficou apenas em nível discursivo e pensava a reprodução de algo similar ao projeto Singapura desenvolvido pela Prefeitura de São  Paulo, sendo imediatamente rejeitado pelos técnicos da Prefeitura de Florianópolis, de onde se buscou desenvolver, nas intenções, declarações e parcialmente nos projetos, como vimos,  um  projeto coerente com as necessidades da população e que mais do que simplesmente quantidade habitacional, busca reproduzir ali qualidade e melhoria urbanas, inserindo aquela comunidade no contexto urbano.

Como assinalamos anteriormente, a  atual gestão da Prefeitura vem desenvolvendo uma atitude de diálogo e uma certa interação com a comunidade de modo a procurar uma solução para a problemática social, coerente com as necessidades e realidades da população.

Apesar deste posicionamento da Prefeitura  atual, aberto à participação comunitária, percebe-se inúmeros entraves na direção de viabilização e implantação do projeto, uma vez que as posturas até então repressivas do governo, tem imprimido desconfiança naquela população. Além disso,  muitas vezes, há um desencontro entre população e técnicos da Prefeitura, na comunicação e entendimento do projeto, o que atrasa as decisões fundamentais para a liberação dos recursos.

Uma das questões levantadas pela liderança da comunidade é: ”Eles não entendem os usos da comunidade e não aceitam nossa opinião”.

A verdade é que há uma grande desconfiança e com todo o esforço que a Prefeitura tem feito, no sentido de atender às reivindicações da população, e a necessidade de uma solução, de certa forma, rápida para que se garanta a liberação de recursos, acaba sendo impossível chegar à solução ideal, a partir do que se busca uma solução que venha atender ao máximo às expectativas dos moradores, mas conhecendo-se que há limites e prazos para a decisão dos projetos. Há também muitos interesses individuais, e algumas opiniões contrárias dentro da comunidade o que acaba criando entraves.

O programa formula uma política de reurbanização, sendo uma experiência desenvolvida por uma equipe de técnicos formada por arquitetos, engenheiros e assistentes sociais pertencentes ao Departamento de Desenvolvimento Social da Prefeitura de Florianópolis, englobando a preocupação de uma proposta multidisciplinar que atenda não só à necessidade habitacional e urbana, mas também atenda à necessidade social de assistência e educação àquela população.

O projeto urbano coordenado pelo arquiteto João Maria, apresenta um conjunto habitacional horizontal, de casas geminadas, dentro de um programa de implantação gradativa, visto que é preciso fazer remanejamentos para que haja espaço para a construção das habitações, uma vez que há uma super lotação e a única “lacuna” em que havia possibilidade de se iniciar algum projeto era o campo de futebol da comunidade. Aliás, a questão do lazer é um ponto relevante para aquela população, sendo reivindicado um espaço para esportes e para a recreação das crianças, desde o início das discussões.

Nesta área, onde então se encontrava o campo de futebol, vem sendo construído um conjunto de dois pavimentos, sendo o térreo destinado a serviços de atendimento à população , e o outro pavimento constituído por 32 unidades habitacionais; cada quatro apartamentos possui acesso por uma escada. Este bloco funcionará como um “respiro” para onde são transferidas 32 famílias, para, então,  naquele espaço das casas  desocupadas implantar o projeto de habitação unifamiliar.

Depois de prontas as novas casas, estas famílias seriam relocadas novamente, sendo que outras 32 famílias ocupariam o conjunto , até que toda área seja reurbanizada.

Uma das preocupações, tem sido a manutenção da “fachada”  do bairro, para que não haja, com a valorização do espaço, a subseqüente transferência desta área para uma população com melhores condições financeiras e que poderiam adquirir sua moradia em outras áreas, que não as destinadas à população de baixa renda.

A grande discussão levantada  pela comunidade, e que também se levanta aqui  é:  porque a tipologia da casa geminada? Seria  esta a solução ideal?

A casa geminada tem suas vantagens sem dúvida, de economia de espaço para implantação, uma maior densificação, bem como economia de material.  O questionamento surge quando a população perfaz mentalmente um quadro de “empilhamento de gente”, além de ser levantada a questão da falta de privacidade. 

O programa, abrange tanto a comunidade Chico Mendes, quanto à comunidade Novo Horizonte, sendo que as primeiras discussões nesta última comunidade, não levaram a um acordo. Só agora, esta população aceitou a proposta da Prefeitura, sendo que já vem sendo construída a primeira etapa do projeto para área, num sistema similar ao que se pretende para o Chico Mendes. A solução adotada para Novo Horizonte, proposta pela comunidade, será a construção de uma instalação provisória e não o projeto construído na Chico Mendes, enquanto se reestrutura as atuais casas da comunidade.

Outro aspecto detectado,   quando se pensa em programas de habitação popular é  a questão do financiamento e do programa de pagamento da moradia e tem sido motivo de preocupação para a população, uma vez que não importa o quão eficaz possa se apresentar a solução proposta. A falta de uma política de financiamento coerente com a situação de renda daquela população pode fazer ruir toda uma tentativa comprometida com os moradores. O grande questionamento levantado pela liderança é: o programa é para baixa renda ou de baixa renda? Embora o projeto seja destinado a uma população de baixa renda, irá ele atender a esta população?

O que em geral ocorre é que os  níveis salariais da comunidade, ficam muito aquém dos exigidos, e logo surgem os problemas de inadimplência, ou quando isto não ocorre, o imóvel acaba sendo revendido para uma outra população a maioria das vezes de maior poder aquisitivo, enquanto a questão da habitação para comunidades baixa renda continua sem ser resolvida.

Apesar de parecer uma proposta interessante, especialmente se comparada às políticas e atitudes anteriormente implementadas, não apenas no que diz respeito à área do Chico Mendes em si, mas no contexto geral da produção habitacional em Florianópolis, é importante que se observe os resultados de pós-ocupação e a atitude desta comunidade na apropriação do bairro.

O grande avanço desta política é a abertura que se dá à voz comunitária, bem como a preocupação de se criar mecanismos de sustentabilidade desta população através de programas sociais complementares, interdisciplinares, abrangendo as questões de saúde e educação.

Uma das características das atuações dos vários órgãos e que dificulta os avanços, na busca de soluções comprometidas com a questão social e urbana , tem sido a multiplicação de ações isoladas de cada órgão e a falta de intercâmbio e integração inter-institucional de resultados e respostas oferecidas à questão, bem como a saída do setor  público e administrativo do cenário, tão logo sejam entregues as obras.  Falta um retorno à obra, com objetivo de verificar a adequação das respostas à real demanda dos moradores, bem como suas dificuldades  e mesmo apropriação do espaço criado.

Não há um retorno, para análise da pós-ocupação, ainda que seja para constatar atitudes frustradas, ao menos , para se questionar e mudar as linhas de ação adotadas. Destacamos, aqui, o papel deste trabalho de pesquisa que busca realizar uma avaliação pós-ocupação para que se formule alternativas e ditrizes para a problemática urbana e habitacional da região, e, ao mesmo tempo, construir uma metodologia de tratamento do problema que ilumine o problema em seu conjunto  como contribuição aos órgãos públicos encarregados de atender a questão.

Comparando a reurbanização e a erradicação que têm sido as duas frentes de análise desta pesquisa, pode-se concluir que a atitude de reurbanização tem refletido a busca da inserção da comunidade na cidade, tanto no aspecto social, quanto no aspecto urbano, onde a preocupação tende a voltar-se para o interesse comunitário, em uma ação conjunta comunidade-prefeitura. A preocupação é sanar o problema. No outro caso, o que temos observado é que a preocupação é: remover um problema, na medida em que não há um interesse real na comunidade. O objetivo da remoção acaba sendo desobstruir um espaço e não  sanar um problema social. As razões comumente são externas aos interesses das comunidades atingidas, seja do ponto de vista institucional (interesses estratégicos de remoção do Estado para liberar áreas) seja do ponto de vista dos agentes privados (processo de renovação urbana como forma de especulação e acumulação).  Do que, a priori,  pensamos serem grandes as chances de não haver êxito na proposta desenvolvida. Mas isto é algo que não se pode prever; é preciso que haja um acompanhamento para ver qual vai ser a resposta da comunidade em face à realidade apresentada, e como tem sido a apropriação do espaço.

No caso da erradicação da Via Expressa para o bairro Abraão, a preocupação de retirá-los dali surgiu de interesses privados, alheios à própria comunidade: o BIG SHOP, entendendo aquele espaço como importante na localização de um de seus acessos, requereu aquela área, propondo à COHAB- então proprietária - que trocasse por um terreno situado  no Abraão. Isto  é, era necessário que aquela população saísse para  tornar possível a obra.

É questionável a maneira como isto foi desenvolvido, o que resultou  o projeto, uma vez que  o mesmo foi pensado a partir de um outro interesse.

Será que a COHAB teria desenvolvido aquele empreendimento de “interesse social” não houvesse entrado em cena a “necessidade” do BIG SHOP de que aquela população fosse removida?

 

 

À guisa de conclusão

 

Por fim de tudo, o que foi visto e analisado, pode-se perceber que tanto a reurbanização quanto a erradicação, independentemente de como sejam empreendidas, o primeiro questionamento deve olhar para o usuário a que se pretende atender, isto é , a comunidade, partindo de dentro para fora.

É fundamental que se pensem em fundamentar as intervenções de maneira interdisciplinar, voltando-se para uma proposta integral, não apenas no que se refere à  questão da habitação, na arquitetura em si, mas especialmente - e isto tem se entendido de relevante importância - no sentido de fornecer mecanismos de sustentabilidade desta população naquele espaço.

A apropriação do espaço, assim se dará de maneira natural, com uma melhoria  na qualidade de vida, tanto local, quanto no aspecto urbano da cidade.

Tanto no caso da  urbanização quanto no caso da relocação (especialmente neste), é importante  serem  observados alguns fatores, ao se pensar nas diretrizes de uma proposta:

a) Ter a preocupação de se atuar de maneira a não provocar a posterior expulsão da comunidade da área, pela valorização decorrente das melhorias, com a ocupação do espaço por outras populações de melhores condições financeiras e, em consequência, da saída daquela população  e  a formação de uma nova ocupação em outra área;

b) Intervir de maneira a evitar que outros interesses, como o capital privado venha a especular em cima daquele espaço;

c) Atender às necessidades reais da população,  de maneira que não venha a ocorrer a degradação de equipamentos, ou mesmo no que se refere à unidade habitacional, que seja adequada aos costumes e cultura daquela população;

d) Buscar projetos que permitam e incentivem a integração da própria comunidade;

e) Desenvolver o projeto arquitetônico e urbano, traçando paralelamente projetos de atendimento à saúde e à educação;

f) Levar em conta a integração da comunidade à cidade, através de  um sistema de transporte eficiente e que atenda às necessidades específicas da comunidade no que diz respeito às linhas urbanas de transporte coletivo;

g) Implementar mecanismos de geração de emprego que permitam a sustentabilidade desta população na área, sem que venha a ocorrer a substituição desta população, através da venda das habitações, com vistas ao incremento da renda, ou mesmo, em períodos de crise econômica, quando a questão do desemprego é uma realidade sensível;

h) Traçar programas de educação com vistas à  qualificação desta população, objetivando inseri-la no mercado de trabalho;

i) Planejamento urbano integrado dos órgãos responsáveis pela produção de habitação social e serviços públicos,  com acompanhamento no pós-ocupação, e balanço do resultado obtido em busca de melhoria na produção habitacional de baixa renda. Esta experiência, não tem sido observada em nenhuma linha de ação do governo, que entrega as obras e muitas vezes não conhece o seu produto.

Acaba-se, apenas , computando-se números e estatísticas numéricas, visando a auto-promoção e a propaganda eleitoral, ao invés de se pesar a qualidade e a validade das intervenções.

j) Uma questão importante e que raras vezes é observada nos projetos de habitação popular, é a atitude de projeto vinculada a uma consciência ambiental, o que não só seria fundamental para a qualidade do espaço criado, mas sobretudo para imprimir na mentalidade desta população atendida por estes programas;  uma consciência ambiental e um comprometimento, que permitiria inclusive a geração de rendas para o próprio conjunto.

Houve uma tentativa neste sentido através do projeto “Beija Flor”, a partir de inícios da década de 90 (em algumas comunidades, inclusive o Novo Horizonte), tendo sido , mais tarde, abandonado.  Mas, a falta de êxito se deve  à pouca importância e às atitudes com que o Governo trata a questão.

Estes pontos apresentam como uma primeira conclusão da pesquisa, como deveriam  ser a atitude e o olhar que dirige a ação social, entendendo-se este como um primeiro momento, na busca de uma atitude que responda à necessidade de trazer à legalidade a “cidade ilegal”, exercendo e levando ao exercício pleno de cidadania, uma população às margens da cidadania e da cidade.

Apresentados estes eixos de ação, se comparados, hoje, à realidade, o que  em geral, se observa, é a completa desconsideração destas questões, o que resulta em experiências que aos poucos tornam novos nichos de marginalização, degradados e rejeitados dentro da urbanidade. Ao invés de inserir as comunidades carentes à cidade, o que ocorre é a segregação da mesma dentro da cidade. As favelas acabam sendo os próprios grandes conjuntos, com os quais e através dos quais o Estado supostamente tentava resolver a problemática habitacional. .

O Estado, em geral , se fecha em si mesmo, recorrendo a atitudes que já mostraram sua falibilidade, sem intercambiar experiências e linhas de ação dentro dos vários órgãos responsáveis pela produção habitacional (o que também reflete a fragmentação interna do Estado).

Não se pode ignorar que a ação do Estado é de fundamental importância na implementação dos programas. No entanto,  é imprescindível, contudo, um contra-ponto com a comunidade: tem-se observado que a participação da comunidade nas discussões e a sua inserção em tudo o que diz respeito aos programas de intervenção (em qualquer nível),  em seu espaço, tem dado resultados satisfatórios, contrariamente às experiências onde a mesma fica excluída de tais processos.

 

 

Referências bibliográficas

 

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PERES, Lino Fernando Bragança Crisis de un patron de desarrolo territorial y su impacto urbano habitacional en Brasil (1994-1992)” : La punta del iceberg: Los “sin-techo” en la región de Florianópolis, SC. Cidade Universitária, México, 1994. Tese ( Doctorado en Urbanismo ) – División de Estudios de  Posgrado – Faculdad de Arquitectura, Universidad Nacional Autonoma de Mexico – UNAM, 2v.

SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Política habitacional no Brasil-verso e reverso. Ed. Cortez, 1989.

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VEIGA, Eliane Veras da. Florianópolis - Memória Urbana. Florianópolis, Editora da UFSC- Fundação Franklin Cascaes, Fpolis, 1993.

VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: FAPESP: Studio Nobel: Linconln Institute,1988  ..

 


[1] Uma das questões interessantes a serem discutidas é a questão dos “vazios urbanos”. Vazios que não são vazios porque têm dono; no entanto, falta espaço para os ocupantes da cidade, o que é um paradoxo.

[2] Como se verá adiante, com a explanação do projeto desenvolvido pela prefeitura de Florianópolis para a reubanização desta comunidade, a situação de tratamento ambiental, quanto à vegetação, aparece como uma tímida pretensão de se tocar a problemática. A questão não pode ser considerada apenas superficialmente, como um acessório projetual, mas deve ser tratada como diretriz de projeto, desde o aspecto micro (arquitetônico/ unidade habitacional) até o contexto macro (a comunidade como um todo e seus espaços públicos). Deve considerar o tratamento paisagístico desde a vegetação local - e se espera um resultado satisfatório quanto à sanidade ambiental -, também quanto ao conforto ambiental e mesmo a memória ambiental.

[3] Este processo é detalhadamente relatado por Peres (1994, cap. VII) a respeito da resistência das comunidades da área em evitar as ações judiciais de  despejo impetradas pela COHAB, que era proprietária dos terrenos (Pasto do Gado). Graças à solidariedade de vereadores sensíveis ao problema, ao apoio de diversas associações civis, e em especial ao trabalho de uma equipe da Universidade (UFSC), grupo de estudantes de diversas áreas (maioria do Curso de Arquitetura e Urbanismo que organizaram o processo de ocupação e reassentamento das famílias) sob orientação do prof. Lino F. B. Peres, é que as comunidades locais puderam manter-se na região, garantindo a consolidação de seus assentamentos. Houve muita mobilização  entre os anos de 1989 e 1993, destacando-se a grande marcha dos sem-terra que, juntos como os sem-teto da região ocuparam o prédio do Governo do Estado na Praça Tancredo Neves em Florianópolis, conseguindo audiência com o governador Wilson Kleinubing, que acabou reconhecendo as demandas e uma agenda de  negociações onde cedia em vários pontos.    

[4] O processo de reconhecimento foi sendo conquistado paulatinamente por parte do poder público. Na gestão de E. Amin e (depois) de Bulcão Viana, houve o período de maior mobilização das comunidades (1988-1992), mas também maiores ameaças de desalojamento. Com a gestão de Grando (1992-1996), cessaram as ameaças  de expulsão e foi o período em que começaram as obras de reurbanização, ficando, no entanto, pendente ainda que iniciado o processo de reassentamento das famílias. Neste período, houve também o desaparecimento do CAPROM, que foi o órgão que organizava e centralizava as lutas, e de maior confiança de que a Prefeitura pudesse garantir a consolidação das comunidades na região. Foi criado neste período o Fundo Municipal de Habitação e o Setor dedicado à habitação dentro da Secretaria de Saúde. Mas, foi no período  de gestão municipal seguinte e atualmente no seu término que a Prefeitura concentrou esforços na área através de financiamento junto ao governo federal e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sendo que o Pasto do Gado, através do Projeto Bom Abrigo, foi uma das regiões do país escolhidas para a implantação do projeto BID e Habitar Brasil de reurbanização de áreas carentes. Em resumo, passou-se de um período de tentativas de ameaças e  processos de despejo por parte dos órgãos públicos (Prefeitura e COHAB) ao início e continuação do reconhecimento legal das comunidades a partir da gestão do Grando (Prefeitura) e não só o reconhecimento mas iniciativas de reurbanização no período mais recente, por meio  do DDS, COHAB  (que transfere a área para a Prefeitura) e os demais órgãos como a CASAN e CELESC que implementam projetos de infra-estrutura na região. 

[5] Esta constatação foi construída ao longo da pesquisa. Inicialmente, desde a pesquisa desenvolvida por Matiello e Peres, e posteriormente por Araújo e Valle (1998-1999), partíamos da hipótese que havia um processo de reurbanização implementado pela Prefeitura que buscava  nas suas intenções a garantia de permanência das populações na região e a melhoria de suas condições habitacionais e urbanas. Com o tempo, e conforme foi avançando o projeto (1999-2000), fomos verificando contradições na implementação do programa de reurbanização, cujas características e causas técnico-institucionais assinalamos neste texto e na pesquisa que fizemos na comunidade Novo Horizonte, através de Valle e Peres (ver tópico Resultados - Novo Horizonte).

[6] O prof. Villaça, docente da Pós-Graduação da USP, foi convidado como professor  visitante pelo nosso Sub-Projeto FINEP em novembro de 1998 para orientar metodologicamente a pesquisa. Esteve visitando a região de estudo (Pasto do Gado) e também o conjunto Bela Vista IV, em São José, objeto de nossa pesquisa (ver Boeno e  Peres, 1997-1998).

[7] 1) localização e abrangência -  limites (acessos/transporte; relevo, solo e vegetação; impactos);  2) caracterização da população (número de pessoas por família; situação do emprego; renda; escolaridade; tendência atual da área; 3) infra-estrutura (rede de água; esgoto; rede elétrica e iluminação pública; drenagem/pavimentação; coleta de lixo; transporte coletivo; acesso interno de veículos/dimensão de ruas; passeios públicos);  4) qualidade (qualidade ambiental; qualidade das edificações ( ventilação, iluminação, orientação solar); mobiliário e equipamentos urbanos; qualidade urbana referentes a visuais, uso do solo, afastamento, gabarito, taxa de ocupação, índice de aproveitameto do solo); malha viária; hierarquias espaciais);  5) situação fundiária e habitacional (número de lotes e tamanho médio; situação legal da área; precariedade da habitação; tipologias;  6) equipamentos urbanos/comunitários (posto de saúde; escola; creche;centro social; área de lazer; comércio; telefone público; serviço de correio; segurança) ; 7) associações (grupos organizados);  8) programas ou projetos  (executados; previstos; necessários).

[8] Fonte dos dados: Secretaria da Habitação de Florianópolis.

[9] Fonte de dados: Secretaria da Habitação de Florianópolis.

[10] Fonte de dados: Secretaria da Habitação de Florianópolis.

[11] Nível abaixo da capacidade de reprodução e sobrevivência e/ou segmento populacional que percebe ingressos esporádicos ou abaixo das condições de garantir o sustento familiar e individual.

[12] Passamos, a seguir, a analisar este método de participação promovido pelo DDS/PMF e verificar seus alcances e limites, como forma de se atingir os objetivos de melhoria urbano-habitacional da área.

[13] Conforme levantamento realizado pelo Departamento de Desenvolvimento Social em 1997.

[14] E não de "neutralidade"  que a rigor não existe, segundo diversos autores como Kosik (1976), Lowy (1980) e outros.

[15] ENGELS, F. A questão da moradia.  São Paulo, GG, 1980. Já no  século XIX, este pensador identificava os fatores estruturais que impedem a resolução do chamado então e até hoje problema habitacional que, assinalava, é irresolvível, no modo de produção capitalista.

[16] Diversos autores analisam a contradição entre a cidade legal a e cidade ilegal ou clandestina, nos quais nos apoiamos na pesquisa como Tanaka (1988), Pechmann (1987), Villaça (1998) e outros.

[17] Representada por alguns estudantes vinculados ao CALA (Centro Acadêmico Livre) e pelo professor Lino F. B. Peres,  do Curso de Arquitetura da UFSC, que, na época, como já se frisou anteriormente, colaboraram na demarcação dos lotes, nas reivindicações da comunidade, e  na luta contra a ameaça de expulsão (situação narrada em PERES, 1994:  cap. 7 ).

[18] Semelhante a este caso, houve na segunda metade dos anos 90, o processo de remoção de famílias assentadas às margens da Via Expressa e que foram objeto de estudo pela estudante bolsista deste Projeto de Pesquisa (ver tópico Resultados - Novo Horizonte).

[19] A respeito, voltando a Engels, já citado anteriormente, trabalhamos com a sua premissa, que é estrutural (variável independente), ou seja a irresolubilidade do problema habitacional em uma sociedade onde impera dominantemente a lei do valor. No entanto, combinamos esta posição com o aspecto conjuntural da problemática urbana e habitacional, onde é possível enfrentar os seus aspectos econômicos e sociais que aliviem a carência no setor. Enforcamos este aspecto como variável dependente do modo de produção econômico-social, no nosso caso, capitalista

[20]  A respeito, ver em Carvalho, C. no texto “As Dimensões da Habitação” (Revista Projeto, No. 77, 1986), trabalho que Matiello (1996-1998) também se apoiou dentro  deste Sub-Projeto/FINEP.

[21] Alguns autores como Mello (1990) e o próprio orientador da presente pesquisa (Peres, 1994) analisam a problemática habitacional do ponto de vista dos modos de regulação (keynesiano)  e acumulação (fordista) a forma básica de habitação no período do chamado Estado do Bem Estar Social que se esgotou parcialmente no final na metade dos anos 80.  Para o Brasil, algunas autores denominam este processo de "fordismo periférico".